A lição de história local que Passos foi forçado a ouvir

A fundação das Caldas da Rainha pela rainha D. Leonor e o seu legado que, 500 anos depois está abandonado, foram a tónica de todos os discursos que Passos Coelho foi obrigado a ouvir no feriado daquele município.

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O hospital termal das Caldas da Rainha

Nas Caldas da Rainha as termas estão fechadas há três anos e o seu património degrada-se. O primeiro-ministro ouviu queixas de todos, mas as mais acutilantes vieram de Fernando Costa, que nesta sexta-feira recebeu também a medalha de honra da cidade.

“Foi uma medida incorrecta fecharem o Hospital Termal porque dava uma despesa de 700 mil euros por ano. A Câmara das Caldas ofereceu-se para pagar 350 mil, e até chegaria aos 700 mil, mas mesmo assim fecharam-no”, disse, desculpando o primeiro-ministro, “que não tem de saber dos assuntos todos”, mas sem esconder a sua mágoa contra o ministro da Saúde por ignorar a importância do legado da rainha D. Leonor na cidade.

Por isso, contou a história do hospital termal mais antigo do mundo (fundado em 1485) que, até há pouco tempo, era um dos palcos das comemorações do dia da cidade quando o seu administrador recebia as autoridades municipais para assinalar, em cada 15 de Maio, a abertura da época termal.

“Hoje há um sentimento de orfandade porque enquanto o hospital termal estiver fechado, falta-nos a própria origem das Caldas”, disse.

Tinta Ferreira foi mais optimista e disse que em breve estariam assinados os protocolos que transferem para o município o património termal da cidade. Depois garantiu que havia dinheiro para recuperar os pavilhões do parque, que são um dos ex-libris da cidade e que haveria que submeter a candidaturas comunitárias a modernização das termas.

Pouco antes, o seu antecessor, Fernando Costa, dissera que, quando saiu da Câmara das Caldas, lhe deixara 5 milhões de euros a prazo para recuperar o hospital termal. Tinta Ferreira, que na altura era vice-presidente, disse que Costa poderia ficar descansado que o município tinha recursos para isso.

Numa sessão que demorou mais de três horas e durante a qual Passos Coelho, disfarçadamente, passava longos minutos a mandar mensagens por telemóvel, o primeiro-ministro teve ainda de ver um filme apresentado por Tinta Ferreira que contava como as Caldas da Rainha tinha a sua génese nas águas termais e no sector da saúde e como esse seu passado poderia potenciar um futuro próspero, desde que houvesse investimento nos activos ligados ao hospital.

Quando chegou a sua vez de falar, Passos Coelho acabaria por confessar que “foi ingenuidade minha pensar que seria possível vir às Caldas sem me preparar sobre as questões do hospital termal”. Daí que o seu discurso abordasse a necessidade de o Estado central e as autarquias terem projectos comuns para cuidar do extenso património que o país possui.

O primeiro-ministro almoçou nas Caldas da Rainha, de onde seguiria para o Porto. Mas depois de almoço acompanhou ainda as autoridades locais no ritual que consiste em depor uma coroa de flores junto à estátua da rainha D. Leonor. Passos Coelho não pôde negar que ficou hoje a saber muito mais sobre a fundadora das misericórdias e do hospital e da localidade das Caldas da Rainha.

A vedeta Fernando Costa
A grande vedeta da sessão foi o ex-presidente da Câmara, Fernando Costa, que continua nas Caldas a pairar como uma sombra sobre o seu sucessor Tinta Ferreira.

Obrigado a abandonar o cargo por força da lei dos mandatos, concorreu a Loures onde é o número dois da câmara numa estranha coligação com a CDU local, exercendo também o bem remunerado cargo de administrador executivo da Valorsul.

Fernando Costa fez questão de agradecer aos autarcas caldenses da CDU, do Movimento Viver o Concelho, do PS e do CDS, mais do que aos do seu próprio partido (PSD) por terem votado por unanimidade a atribuição da medalha de honra da cidade à sua pessoa. “Eu pensava que isso só iria acontecer poucos meses antes de eu morrer, ou só após a minha morte”, disse, revelando que, se não tivesse havido unanimidade, não teria aceite a distinção.

“Não há só independentes fora dos partidos. Eu também me sinto um independente dentro do meu partido”, disse, numa alusão à sua forma de estar na política, onde não se coíbe de protestar sempre que entende necessário. Um facto que haveria de ser reconhecido pelo próprio Passos Coelho que se lhe referiu como “uma pessoa muito especial e com muito carisma”.

Num discurso de homenagem a Fernando Costa, o historiador local Nicolau Borges, convidou-o, implicitamente, a escrever as suas memórias, tendo em conta “a herança e a experiência dos 28 anos de presidente da Câmara que constituem um património gerador de memória”.

Mas o homenageado não se reviu num discurso voltado para o passado: “Ainda é cedo para escrever as minhas memórias. Alguém acredita que eu seja capaz de me calar e de me reformar?”.

Confessando que preferia ter concorrido à câmara de Leiria (de onde é natural) do que à de Loures, o presidente que somou sete mandatos com maioria absoluta nas Caldas da Rainha nada acrescentou sobre o seu futuro político. O seu sucessor, Tinta Ferreira, não está seguro de não o ter como adversário interno nas próximas autárquicas.

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