As minorias chegaram a Westminster

O multipartidarismo não é um fenómeno novo no Reino Unido. Mas poucos davam por ele. As mudanças nos tecidos social e cultural fizeram encolher a influência de conservadores e trabalhistas e, pela primeira vez, o sistema político é pluralista, diz o investigador Akash Paun.

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O Partido Nacional Escocês pode conseguir 50 deputados nestas eleições ANDY BUCHANAN/AFP

Um governo conservador ou um governo trabalhista. Durante décadas, esta alternância bastou aos britânicos. Desta vez ainda será assim, com um destes partidos a ser convidado para governar. Mas a paisagem política, que já dera sinais da mudança quando David Cameron foi obrigado a abrir a porta aos liberais-democratas para conseguir governar com maioria, mudou radicalmente em cinco anos. As legislativas de 7 de Maio abrem a “era das minorias” em Westminster, com o Parlamento a ser invadido por gente nova de novos partidos e por gente de velhas formações que nunca tiveram voz mas que prometem agora fazer muito barulho.

Dizem as sondagens que duas novas formações entram no Parlamento, o Partido da Independência do Reino Unido (o xenófobo e isolacionista UKIP) e os Verdes (esquerda ambientalista). A estes juntam-se os habituais partidos nacionais (da Escócia, que de seis deputados pode passar para 50; do País de Gales e da Irlanda do Norte).

O que aconteceu em cinco anos? Se só os números contassem, David Cameron, o primeiro-ministro conservador, estaria descansadamente à espera da reeleição. O desemprego é baixo, 5,7%, a economia britânica é a que mais cresce na Europa, o programa do Governo tem implícitos princípios de austeridade (reduzir o deficit, cortar nas despesas) mas não é um programa de austeridade ao modelo espanhol ou grego onde o empobrecimento da população e a intervenção das instituições financeiras externas motivaram os cidadãos a procurar alternativas aos partidos tradicionais.

“A fragmentação do velho sistema prende-se com as profundas mudanças sociais que o país viveu no pós-guerra”, explica ao PÚBLICO Akash Paun, investigador do Institute for Government, um think tank independente que produz trabalhos com o objectivo de ajudar a melhorar a governação. Um dos últimos que escreveu, com a colaboração de Charlie Mitchell, chama-se Westminster in the age of minorities ("Westminster na era das minorias") e explica como o sistema político britânico está em transição.

A tendência multipartidária do Parlamento de Londres é antiga, diz o investigador. Porém, poucos deram por ela devido ao sistema eleitoral que favorece os maiores partidos. Ao longo das últimas décadas, a divisão dos votos entre os dois maiores – conservadores e trabalhistas – foi decaindo e o pluralismo político acabou por surgir.

Nas eleições de 1951, conservadores e trabalhistas arrecadaram 97% dos votos e elegeram 99% dos deputados. Há cinco anos, conseguiram apenas 65% dos votos, o que, devido ao sistema eleitoral (uninominal e não proporcional), lhes deu 87% dos lugares. “Só em 2010, quanto ao fim de muitos anos tivemos um governo sem maioria, Westminster foi obrigado a acordar para esta realidade de termos um sistema multipartidário e foi formada uma coligação com os liberais-democratas”, diz Akash Paun, que é também autor de After the Referendum: Constitutional Scenarios for the UK and Scotland ("Depois do referendo: cenários constitucionais para o Reino Unido e para a Escócia").

A fuga dos eleitores dos partidos tradicionais é “um fenómeno complexo”, diz o investigador, e prende-se com mudanças estruturais profundas. O primeiro nível de explicação está na própria história dos dois grandes partidos políticos. “O sistema partidário era baseado no sistema social e as classes sociais eram as forças que moldavam as formações políticas. O tecido político associava-se a uma identidade e, dessa forma, o Trabalhista surgia como o partido da classe operária e o Conservador como o partido da classe média e mais acima…”

Mas o tecido social começou a mudar, depois da II Guerra Mundial, fragmentando pelo caminho o velho sistema. Apareceu o movimento liberal, que depois deu lugar ao liberal-democrata, e surgiram sistemas políticos autónomos nos outros países da União, na Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.  Avança-se no tempo e, a acompanhar as alterações na estrutura de classes e na dinâmica dos grupos, nasceram partidos identificados com temas. “Os Verdes, que já cá andam há muito tempo mas nunca tinham tido oportunidade de emergir, são um caso de um partido com causa, e também o UKIP. Eles associam-se mais com determinados assuntos do que os partidos nacionais”, diz Paun.

“É verdade que estes partidos estão a oferecer algo às pessoas, mas estão sobretudo a capitalizar o descontentamento da população em relação aos partidos tradicionais. Os cidadãos estão desapontados com o sistema político e sentem que, depois de eleitos, os principais partidos não concretizam as suas promessas eleitorais”, diz.

Além do não cumprimento das promessas eleitorais, há outro nível de decepção: na década de 1990, os políticos passaram a mensagem da prosperidade eterna – a vida, iria melhorar sempre, cada vez mais, prometeram. Pior, associaram o dinheiro à ideia de prosperidade. A certeza de que não é assim, de que vivemos pior e podemos viver ainda pior, adensa a descrença e a decepção.

“Estes ‘novos’ partidos, que não estão manchados pelos compromissos que os outros tiveram que fazer para estarem no poder, oferecem ao eleitorado uma ideia mais pura da política, mais limpa. Os outros, há muitos que perderam essa imagem e veja-se o caso dos liberais-democratas, que podem perder metade ou mais dos [57] deputados que conseguiram em 2010”, diz o investigador.

Akash Paun refere que o fenómeno do enfraquecimento dos partidos tradicionais é transversal à Europa. Todos eles se tornaram instituições mais fracas e estão a tornar-se cada vez mais pequenos, ao perderem parte do eleitorado e dos militantes. Mas no Reino Unido juntam-se outros fenómenos para explicar a fuga dos eleitores. O movimento nacionalista na Escócia surpreendeu os líderes e o recente referendo à independência (ganhou o “Não” mas por curta margem) transferiu os votos que, tradicionalmente, eram dados aos trabalhistas para o Partido Nacional Escocês. “Os trabalhistas deram como garantido o seu controlo da Escócia e quando apareceu uma alternativa, mais ligada aos interesses individuais dos escoceses, o Labour eclipsou-se”, diz o investigador. “Os partidos tradicionais não prestaram atenção ao facto de haver muita gente a sentir-se marginalizada [os escoceses, por exemplo, que querem maiores poderes de decisão sobre o seu território] ou com o sentimento de se estar a perder o controlo do país [aqui ganhou pontos o UKIP, ligando a presença dos imigrantes ao declínio da prosperidade dos britânicos].”

O descontentamento, o afastamento entre os cidadãos e os partidos, criou “uma terra de ninguém” onde outros se instalaram, interpondo-se no caminho “da velha ordem” e das maiorias a que os dois partidos tradicionais estavam habituados, escreveu Paun no seu estudo sobre a chegada das minorias a Westminster.

Akash Paun diz que esta proliferação de partidos em Westminster,  e sobretudo a importância que vão ter na formação do governo e nas políticas do próximo executivo, não parece ser um fenómeno passageiro. “O que posso dizer é que não espero que, num futuro próximo, haja um retrocesso nesta tendência de queda do sistema bipartidário e de ascenção do pluralismo”.

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