A justiça que temos

A justiça, em Portugal, funciona mal e é de difícil acesso.

1. Partimos do pressuposto que a justiça é, nas sociedades modernas, uma instituição estruturante da coesão social, pedra fundamental para os cidadãos se sentirem iguais perante a lei.

O Estado, ao chamar a si a realização da justiça, reprimindo a criminalidade e organizando a resolução legal dos conflitos cíveis, familiares, administrativos, fiscais e outros, deve ser capaz de fazer a máquina judicial funcionar adequadamente, ao serviço da cidadania.

Porém, a justiça, em Portugal, funciona mal e é de difícil acesso. O que marca sobremaneira o mau funcionamento é a sua lentidão no que se refere às decisões, sobretudo em primeira instância. A estrutura em que assenta é deficitária em meios humanos e tecnológicos e instalações. Além disso, o seu funcionamento é marcado pela inexistência de uma visão estratégica por parte de todos; cada um responde pela sua capela, desligada da comunidade onde se insere.

Se os juízes vão encontrar nos tribunais de primeira instância falta de funcionários, más instalações, falta de gabinetes adequados, de salas de julgamento, de papel e de fotocopiadoras, quem é o homem ou a mulher que se sente motivado?

Decorre da condição humana que são as circunstâncias que nos rodeiam que ajudam a forjar as características dos seres humanos.

Um ambiente dinâmico, adequado ao tempo, faz com que homens e mulheres respondam a esse nível, permitindo localizar os incapazes e incompetentes mais facilmente. Sem juízes motivados, independentes a todos os níveis, incluindo a nível remuneratório, a justiça corre mais riscos que os normais.

A falta de meios serve para justificar tudo: o que tem justificação devido a essa falta, mas também o que resulta da preguiça e deixa-andar-não-te-rales. Os funcionários, sobrecarregados devido à falta de centenas de colegas por recrutar, não se sentem minimamente recompensados com as renumerações que auferem e têm de ser pau para toda a obra.

A Reforma do Mapa Judiciário recentemente implementada paralisou durante mais de um mês e meio o Citius e vem afastando os cidadãos dos tribunais, obrigando-os a fazer, nalguns casos, deslocações de dezenas de quilómetros para ir a tribunal. E coloca com toda a acuidade a questão da mercantilização da justiça, encerrando tribunais com menos de um certo número de processos amputando o braço do Estado da realização da justiça.

A nível de tribunais de família e menores, nalgumas comarcas, a marcha dos processos tornou-se lentíssima, com todos os prejuízos e descrédito em área tão sensível para a vida em comunidade.

Nos tribunais administrativos e fiscais, é o caos. Anos e anos para se fazer um julgamento. É a palavra exata, salvo raras exceções que se encontram.

Numa sociedade em que os cidadãos vivem com medo de perderem o emprego, de não pagarem as prestações em dívida, de os filhos não terem futuro, de que lhes falte a reforma, de haver mais cortes nos vencimentos, de ficarem sem saúde, com medo do futuro, é péssimo que percam confiança na instituição em que nunca a deviam perder, a Justiça.

2. Os cidadãos enfrentam dificuldades crescentes para acederem aos tribunais e à Justiça.

Bem pode o artigo 20.º da CRP proclamar que os cidadãos têm acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, mas deixou de ser verdade. As custas não param de encarecer, impedindo os cidadãos de as poder pagar.

Os sucessivos governos têm vindo a dificultar o acesso ao apoio judiciário, mesmo que seja apenas na isenção de custas e outros encargos. Passos Coelho, Portas e Mota Soares tornaram o acesso ao apoio praticamente para quem viva na rua ou debaixo das pontes.

Quem auferir rendimentos ao nível do salário mínimo nacional ou até inferior a esse montante já não tem direito à isenção de taxa de justiça e custas do processo. Por outro lado, a taxa de justiça nas ações com valor superior a 250 mil euros da taxa é a mesma seja qual for o montante, sendo o acerto feito no final.

3. Outro aspeto a ter em conta é a privatização da execução. Foram apontadas para a sua justificação, essencialmente, duas razões: a morosidade e a corrupção.

Porém, se as execuções eram morosas, agora, desde a privatização, quase não mexem... a pendência é assustadora.

E, quanto aos fenómenos de corrupção, eles enchem as páginas dos jornais. Tornou-se praticamente inviável para a maioria dos cidadãos ir a tribunal executar sentenças. Quem tiver sentenças onde lhe são reconhecidos créditos para cobrar na ordem de alguns milhares de euros, tem de pensar muitas vezes. Para assegurar o seu crédito, pagará a taxa de justiça, a honorários devidos ao agente de execução que nem sabe quem é o credor, nem se tem dificuldades, nem se chora ou se ri, e tem de pagar ao advogado que provavelmente já conhece da ação declarativa e que, por sua vez, conhece a (in)capacidade económica do exequente…

A tudo acresce a dificuldade em saber se o executado tem bens, pois, se o agente de execução não os descobrir, tal situação não isenta de ter de pagar ao agente de execução os honorários fixados em tabela…

Obstaculizando o acesso aos tribunais, colocando a sua localização a dezenas de quilómetros dos cidadãos, encarecendo as custas, privatizando a execução, é provável que, a prazo, a pendência diminua, à custa da cidadania. Mesmo assim, vamos ver...

Advogado

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