França reforça poder dos serviços secretos para combater o terrorismo

Conselho de Ministros avalia revisão legislativa para enquadrar e harmonizar a actividade dos seis serviços de informação do país.

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O primeiro-ministro francês, Manuel Valls acelerou a legislação depois dos atentados de Paris PATRICK HERTZOG/AFP

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, apresenta esta quinta-feira a sua proposta para o reforço de meios, competências e poderes dos serviços secretos e de informação do país, bem como uma série de outras medidas destinadas a apertar a rede do combate ao terrorismo. A legislação, que já estava a ser desenvolvida, foi “acelerada” no rescaldo dos ataques islamistas ao jornal satírico Charlie Hebdo e a um supermercado judaico, que fizeram 17 vítimas em Paris.

Conforme antecipou a imprensa francesa, o projecto que vai a Conselho de Ministros oferece um novo enquadramento legal para os dispositivos e técnicas utilizadas pelos serviços secretos, que ficarão dispensados de passar pelo crivo judicial e poderão avançar com operações de recolha de informações como por exemplo escutas, geolocalização ou vigilância electrónica apenas com base em autorizações administrativas.

Entre as novidades previstas pela lei para o combate ao terrorismo está a possibilidade de acesso, em tempo real, aos equipamentos das empresas de telecomunicações para obter dados informáticos (informações, documentos, metadados) de indivíduos já identificados como suspeitos e de outros com quem estes comuniquem. Os serviços também terão autonomia para instalar antenas ou câmaras secretas para a captação e gravação de comunicações de suspeitos.

Essas alterações mereceram críticas à Comissão Nacional de Informática e Liberdades, que antecipou “consequências particularmente graves no que diz respeito à protecção da vida privada e dos dados pessoais” se os serviços puderem coleccionar, “de maneira indiferenciada”, volumes de dados que podem envolver “pessoas totalmente estranhas à missão” em causa. Outras organizações, como a Liga dos Direitos do Homem, ou a Quadratura da Rede, uma associação de defesa dos direitos dos utilizadores da Internet, manifestaram reservas e denunciaram a “deriva do Governo” em matéria de segurança.

O gabinete do primeiro-ministro garantiu que as novas prerrogativas dos serviços secretos – que foram descritas como “intercepções de segurança” dos conteúdos electrónicos – estão directamente associadas à condução de operações ou investigações. E para garantir que não há abusos, o Governo propõe também a criação de uma nova instância de controlo, a Comissão Nacional de Controlo de Técnicos de Informação, composta por magistrados e deputados e que ficará responsável pela verificação da “legalidade e proporcionalidade” no uso dos meios de vigilância.

O ponto de partida para a revisão da lei foi a redefinição da missão dos seis serviços de informação franceses, criados em momentos diferentes depois da Segunda Guerra Mundial, e sob a tutela de três ministérios diferentes – Interior, Defesa e Economia. “Não era possível continuar com serviços que têm formas e suportes jurídicos tão dispersos. Precisávamos de encontrar uma forma de colocar tudo no mesmo plano”, explicou um dos autores do projecto de lei citado pelo Libération.

“A França era uma das últimas democracias ocidentais que não dispunha de um enquadramento legal, coerente e completo, para a actividade dos seus seis serviços de informação”, notou à AFP fonte do gabinete do primeiro-ministro. A ideia é acabar com as “zonas cinzentas” ou com a concorrência ou duplicação de esforços entre as várias agências, para que os agentes não tenham de “trabalhar no fio da navalha” como até agora, prosseguiu o mesmo porta-voz. Além da necessária actualização da lei por causa da evolução tecnológica, a revisão foi também justificada com a “urgência” em resolver as debilidades e “falhas” do sistema nacional de segurança, que se tornaram evidentes depois dos atentados de Janeiro em Paris.

Terrorismo low-cost

Em paralelo, a França vai adoptar um novo sistema de vigilância e monitorização de pagamentos em numerário ou pequenos depósitos e levantamentos bancários, uma medida que além de “combater a circulação anónima de fundos na economia”, tem como bónus a redução da margem de manobra financeira dos indivíduos ou organizações que apoiam actos terroristas.

Como lembrou o ministro das Finanças, Michel Sapin, ao anunciar o novo sistema, os ataques ao Charlie Hebdo e ao supermercado judaico foram financiados por pequenos empréstimos e verbas obtidas com a venda de produtos contrafeitos. “É um terrorismo low-cost, que assenta na pequena fraude, na lavagem de dinheiro de quantidades irrisórias de dinheiro ou de contrabando, mas que tem grande impacto”, observou.

Assim, a partir de Setembro, os pagamentos de valor superior a mil euros deixarão de poder ser feitos em numerário (no caso dos turistas, o limite passará a ser dez mil euros). Nas agências cambiais, qualquer operação que ultrapasse os mil euros passará a exigir a apresentação de um documento de identificação. E todas as movimentações bancárias – depósitos e levantamentos em dinheiro vivo – superiores a dez mil euros por mês serão automaticamente comunicados à agência nacional anti-fraude.

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