Na campanha eleitoral israelita ninguém está interessado em falar de paz

Os israelitas votam para eleger um novo governo na próxima terça-feira, depois de uma campanha dominada pelas questões económicas e sociais e a ameaça do Irão. O conflito com os palestinianos ficou de fora.

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Isaac Herzog e Tzipi Livni, co-líderes da União Sionista, a coligação de centro-esquerda, em campanha JACK GUEZ/AFP

Num raro debate televisivo antes das eleições de terça-feira em Israel, os líderes de oito partidos de todo o espectro político mantiveram ao longo de 90 minutos uma ruidosa e argumentativa discussão sobre a política israelita. Enquanto os temas sociais e a economia foram amplamente abordados, o conflito com os palestinianos e os esforços para conseguir uma solução de dois Estados – o tema pelo qual grande parte do mundo acompanha a evolução naquela região nos últimos 30 anos – foi alvo de poucas considerações.

A palavra “paz” foi mencionada cinco vezes, três das quais pelo único candidato árabe que participou no debate, enquanto Naftali Bennett, o líder do partido ultra-nacionalista A Casa Judaica, declarou que nunca deixaria os palestinianos terem o seu próprio Estado.

De certa forma, é compreensível que o foco das discussões tenha sido aquele – os eleitores israelitas estão mais preocupados com os preços das casas e do custo de vida. Mas fica demonstrado que são escassas as perspectivas de qualquer progresso na resolução do que é talvez o conflito mais intrincado do mundo. “A questão palestiniana, embora seja crucial, não é considerada existencial, como é o caso do Irão”, explica Reuven Hazan, professor de ciência política na Universidade Hebraica. “E também não é visto como um conflito que possa ser resolvido nos próximos três anos, ao passo que a questão económica é”.

Esta eleição tornou-se numa corrida de dois cavalos e de dois temas, com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, em busca de um quarto mandato, a alertar para a ameaça do Irão e dos grupos islamistas, e a oposição de centro-esquerda a criticar o fracasso das suas políticas sociais e económicas. As últimas sondagens apontam para uma ligeira vantagem da União Sionista (centro-esquerda) em relação ao Likud de Netanyahu e, como tem sido sempre ao longo dos 67 anos de história de Israel, nenhum partido irá conseguir uma maioria para governar. Será obrigatório negociar a formação de uma coligação.

Dada a sua experiência em construir coligações e dado que há mais partidos à direita com quem construir uma aliança, Netanyahu pode voltar a ser primeiro-ministro, mesmo se o seu partido não for o mais votado. A União Sionista teria de se aliar a um ou dois partidos ultra-ortodoxos, aos centristas do movimento Yesh Atid e ao Kulanu, um partido dissidente do Likud, para conseguir uma coligação governativa, mas esta é uma possibilidade remota.

Se Netanyahu continuar, a possibilidade de um regresso às negociações de paz, que entraram em ponto-morto em Abril de 2014, é uma miragem. Não só porque Netanyahu não as quer, mas porque as divisões internas no campo dos palestinianos não fazem deles um parceiro verdadeiramente empenhado em sentar-se à mesa com os israelitas.

Para além disso, a figura mais poderosa ao lado de Netanyahu em qualquer novo governo de direita será Naftali Bennett, que defende a anexação da Cisjordânia ocupada, que os palestinianos querem para um futuro Estado independente, juntamente com Jerusalém Ocidental e a Faixa de Gaza. O partido de Bennett deverá arrebatar 13 assentos parlamentares e ele é tido como o próximo ministro da Defesa, no caso de Netanyahu voltar a ser primeiro-ministro, num cargo que o torna directamente responsável pelas questões palestinianas.

Outro assunto complicado é o dos colonatos. Apesar da oposição dos EUA e da União Europeia, Netanyahu tem continuado a expandir a construção de casas judaicas na Cisjordânia e em Jerusalém Ocidental e essa política não deverá mudar. Tanto Bennett como Avigdor Lieberman, o ministro dos Negócios Estrangeiros cessante e líder do partido ultra-nacionalista Yisrael Beitenu, são fervorosos apoiantes da expansão dos colonatos e irão pressionar neste sentido num futuro executivo liderado por Netanyahu.

No caso do centro-esquerda chegar ao poder, há maiores hipóteses das negociações de paz serem retomadas – em especial por causa da pressão acrescida da Casa Branca, que se adivinha na recta final da presidência Obama. Mas a primeira prioridade desse governo seria a de cumprir as promessas eleitorais nas áreas sociais e económicas. E no que diz respeito aos colonatos, o centro-esquerda está a adoptar uma linha não muito distante da do Likud, afirmando que vai continuar a construir nos blocos já existentes - uma política de desafio em relação aos EUA e à União Europeia, já para não falar dos palestinianos.

Gilead Sher, um ex-negociador de paz israelita, acredita que é necessário uma abordagem regional, com os EUA, a Europa, a Rússia e as Nações Unidas a juntarem-se ao Egipto, Arábia Saudita, Jordânia e os Estados do Golfo num esforço conjunto para encontrar uma solução. E mesmo com esta aliança, ele favorece uma diplomacia de pequenos passos em vez de uma abordagem de big-bang à solução dos dois Estados, Israel e Palestina lado a lado. Nesta altura, diz, é um objectivo demasiado ambicioso.

Daí que nos próximos anos não seja de esperar grandes progressos na resolução do conflito. O unilateralismo vai dominar: Israel vai estar concentrado nas suas preocupações domésticas e regionais, os palestinianos vão prosseguir como os esforços para julgar os crimes de Israel no Tribunal Penal Internacional.     

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