Republicanos preparam a festa para a vitória nas “eleições da ansiedade”

As eleições da próxima terça-feira já foram descritas como as “eleições Seinfeld”, um grande espectáculo em que nada de substancial vai acontecer.

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Manifestantes do Tea Party, que defendem que o governo já intervém demasiado Jonathan Ernst/Reuters

Faltam apenas dois dias para as eleições intercalares e o Partido Republicano já tem os foguetes preparados para fazer a festa. Com a maioria na Câmara dos Representantes mais do que assegurada, tudo indica que vai conquistar a maioria no Senado, um quadro que complica ainda mais o traço indefinido que tem sido o final do segundo mandato do Presidente Barack Obama. Mas a forma como os norte-americanos vão votar é muito mais do que um termómetro para medir a temperatura da Casa Branca e das presidenciais de 2016: é um teste à confiança nas instituições do país, no meio de uma crise de ansiedade provocada pela falta de diálogo entre republicanos e democratas, e pela sensação de que os políticos não conseguem fazer nada cá dentro e ainda menos certezas têm sobre o que fazer lá fora, no mundo em que se habituaram a ditar regras.

A diferença entre a leitura que o resto do mundo faz de um Congresso dominado pelo Partido Republicano e o debate que se aprofundou nos Estados Unidos nos últimos meses explica-se melhor pela forma como muitos analistas se têm referido às eleições que se aproximam. Uns chamam-lhe “as eleições Seinfeld”, uma espécie de grande acontecimento sobre absolutamente nada; outros preferem referir-se a elas como “as eleições Constanza”, numa referência à personagem da mesma série de televisão, que vivia em permanente angústia. Nos últimos dias, William Gaston, especialista em governação no Instituto Brookings, um dos mais prestigiados think tanks do mundo, fugiu às referências humorísticas de forma drástica: pelos vistos, estamos a 48 horas das “eleições do caos”.

“Os democratas poderão muito bem ser as vítimas imediatas no dia 4 de Novembro, mas a ansiedade e o medo estão a crescer há muito tempo - muito antes da chegada à Presidência de Barack Obama”, escreve o especialista no site do jornal Politico.

Todas as sondagens indicam que a afluência às mesas de voto vai ser menor do que em 2012 e 2010, e isso pode explicar-se com a crescente falta de confiança nas instituições federais - numa sondagem publicada a  20 de Outubro pelo Politico, 64% dos inquiridos disseram que “as coisas parecem estar fora de controlo neste momento nos Estados Unidos”.

O país enfrenta as consequências de uma economia “que não satisfaz ninguém, nem a nível interno nem a nível externo”, e de “um arco de crise que se estende da Líbia ao Mar da China Oriental”, salienta o especialista do Instituto Brookings. A soma de todos estes problemas parece dar razão à teoria de umas angustiantes “eleições Constanza”: “Quando recuamos, os nossos inimigos preenchem esse vazio. O povo americano vacila, dividido entre o desejo de lavar as suas mãos em relação ao resto do mundo e a sua crença de que o avanço de grupos como o Estado Islâmico irá eventualmente ameaçar a nossa própria segurança. Quando os nossos líderes não conseguem explicar o que está a acontecer e não se entendem sobre o rumo a seguir, a sensação de perda de controlo agrava-se ainda mais entre a população.”

Um governo que funcione
Na sede do Instituto Brookings, localizada no coração da capital norte-americana, a cinco minutos da embaixada de Portugal, dois especialistas na intervenção do governo federal expõem os seus pontos de vista num debate com um título revelador sobre o que está realmente em causa nas eleições de terça-feira: “Podemos fazer com que o governo funcione?”

Edward Kleinbard, professor de Direito na Universidade da Carolina do Sul e antigo director da comissão independente do Congresso sobre política fiscal, defende um governo mais interventivo. Como muitos diriam por aqui, e apesar da sua simpatia e notável sentido de humor, é uma espécie de perigoso socialista mascarado de político de Capitol Hill para efeitos de Halloween.

“Se reflectirmos sobre os debates nos jornais e no Congresso, o que mais se nota é que estamos sempre a discutir sobre a questão dos impostos. Mas, ao fazermos isso, estamos a pôr a carroça à frente dos bois. A função essencial do governo é investir e garantir o bem-estar dos americanos, e isso só é possível com gastos, e não através da aplicação de impostos. Aplicar impostos é apenas a forma que temos para financiar a função do governo; não é a função do governo”, argumenta, antes de deixar uma sentença: “Não temos outra opção, se quisermos uma América que honre os valores que defendemos e que nos proporcione a prosperidade que merecemos. Um governo mais musculado e com mais investimento é desejável e necessário.”

No final do debate, Edward Kleinbard diz ao PÚBLICO que os eleitores norte-americanos têm uma ideia errada sobre o peso do seu governo, quando comparado com a situação em Portugal e outros países europeus.

“Os nossos pontos de partida são completamente diferentes. Os EUA  têm a mais baixa taxa de colecta de impostos de todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, em percentagem do Produto Interno Bruto, e temos um dos mais níveis mais baixos de gastos do governo. Pelos padrões europeus, nós temos um governo extremamente pequeno, mas não é essa a percepção que os americanos têm”, diz Kleinbald, que apresentou no mesmo debate o seu mais recente livro, “We are better than this: how government should spend our money” ("Somos melhores do que isto: como é que o governo deve gastar o nosso dinheiro"). 

A capa, com uma imagem do Capitólio de cabeça para baixo e a palavra “should” destacada do resto do subtítulo, fala por si, mas Edward Kleinbard não se cansa de sublinhar a sua ideia: “Estamos a debater a possibilidade de encolher o nosso governo, mas ironicamente estamos a iniciar esse debate num ponto em que o nosso governo é 15 pontos percentuais mais pequeno do que os governos europeus, e esse é o nosso problema fundamental”, conclui.

 

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