China diz ao Reino Unido para não se meter na política de Hong Kong

Clima de instabilidade crescente devido à decisão de Pequim permitir eleições directas mas escolhendo os candidatos à chefia do governo local.

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Detenção de um activista à porta do hotel do enviado de Pequim a Hong Kong, na segunda-feira Tyrone Siu/Reuters

Se à primeira a mensagem não passou, talvez à segunda surta efeito. A China advertiu, mais uma vez, que não vai permitir ingerências externas nos seus assuntos internos, a propósito dos comentários que chegam do Reino Unido e dos Estados Unidos da América sobre o processo eleitoral em Hong Kong, que em 2017 terá um novo chefe de governo.

"A reforma constitucional de Hong Kong é uma questão interna da China, que não tolerará qualquer ingerência do exterior", disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Qin Gang, questionado em Pequim sobre a instabilidade naquela região administrativa especial.

No início da semana, o Governo central mandou um enviado a Hong Kong para anunciar como se processariam as eleições, que pela primeira vez serão por sufrágio universal directo. Porém, os três candidatos que surgirão nos boletins de voto serão escolhidos por Pequim, conforme decidiu o Comité Permanente, o órgão mais poderoso do Governo chinês.

O modelo escolhido por Pequim levou Chris Patten, que foi o último o último governador britânico de Hong Kong — o território regressou à China em 1997 — comentou a decisão numa carta que foi publicada pelo Financial Times. O Reino Unido, escreveu Patten, tem a obrigação moral e política de exigir à China que respeite os compromissos — e a escolha do chefe do governo através do sufrágio universal tinha sido um compromisso assumido nas negociações para a devolução do território.

"Temos uma grande responsabilidade quanto ao bem-estar de Hong Kong", escreveu Patten, cuja carta surgiu também depois de o Governo de Pequim ter rejeitado um pedido do Parlamento de Londres para ser feita uma investigação à condução do processo democrático em Hong Kong.

Nos Estados Unidos, a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, comentou também as eleições de 2017, dizendo que Washington apoia o sufrágio universal directo e lembrando que foi esse o caminho das negociações entre os britânicos e os chineses.

"As questões relacionadas com Hong Kong dizem respeito à soberania da China", disse o porta-voz Qin. "Salvaguardar a prosperidade e a estabilidade em Hong Kong é também do interesse da comunidade internacional", acrescentou.

O anúncio de domingo fez eclodir protestos em Hong Kong, com os activistas pró-democracia a acusarem o Governo de Pequim de não cumprir a promessa feita e de ter aberto a porta à instabilidade social — o movimento Occupy Central também prometeu paralisar o centro financeiro do território, que tem estatuto administrativo especial (o que se reflecte na existência de legislação distinta que permitiu a Hong Kong manter o seu estatuto de grande centro financeiro mundial).

"A decisão [de Pequim] une-nos a todos. Estamos mais unidos do que nunca", disse Benny Tai, professor de Direito e líder do Occupy Central, que pretende convocar um sit in no bairro financeiro. As primeiras manifestações contra a decisão de ser Pequim a escolher os três candidatos realizaram-se logo após o anúncio e a polícia tem dispersado os manifestantes. Na segunda-feira fê-lo com gás pimenta, relata a Reuters, quando os manifestantes se concentraram junto ao hotel onde estava hospedado o enviado de Pequim, Li Fe — alguns activistas foram detidos.

Os líderes dos movimentos pró-democracia tinham alertado para o facto de se estar a assistir a actos que considerou "demonstração de força militar" por parte do Governo centrais. Por exemplo o desfile de quatro carros blindados pelo centro de Hong Kong dois dias antes da chegada ao território do enviado que foi anunciar como se farão as eleições. "É uma demonstração de força militar para assustar a população de Hong Kong que se prepara para realizar uma grande campanha de desobediência civil. [Os blindados] apareceram num momento muito suspeito", disse então a activista Claudia Mo, ouvida pela AFP.

"Temos que continuar os protestos de forma a mostrarmos a todos qual é a nossa vontade", disse Benny Tai à Reuters. E Edwin Chin, o fundador do fundo Hedge, um dos maiores apoiantes do Occupy no sector financeiro, incitou a população de Hong Kong a continuar a manifestar-se. "Se a população não lutar, vai ficar pior. A democracia em Hong Kong é difícil, mas não perco a esperança e espero que ela se concretize na próxima geração", disse Chin.

As críticas à decisão de Pequim de deixar toda a população votar, mas ser o Governo a escolher em quem, motivou também uma critíca interna. O primeiro chefe de governo de Hong Kong depois do território ter sido devolvido a China, Tung Chee-hwa (escolhido por Pequim), pediu ao Governo central para cumprir as suas promessas e incitou "todas as partes" a colaborarem para solucionar o problema. "A única forma é trabalhando em conjunto", disse Tung, de 77 anos, advertindo para o risco de surgir um conflito que paralise Hong Kong.

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