Serão precisos seis meses para controlar surto de ébola

Médicos Sem Fronteira lançam grito de alerta depois de a própria OMS ter admitido que números oficiais "subestimam amplamente" a dimensão do surto. Há um milhão de pessoas nas zonas sob quarentena.

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Médico olha-se ao espelho após colocar equipamento de protecção para tratar dos doentes com ébola Carl de Souza/AFP

Mais coordenação, mais meios e mais rapidez na resposta. O apelo é feito pela organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) numa altura em que se admite que as medidas em vigor não estão a conseguir travar a propagação do vírus do ébola na África Ocidental e depois de a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) ter admitido que os casos registados “subestimam amplamente a magnitude do surto”.

Os últimos números oficiais dão conta de 2127 de pessoas infectadas, das quais mais de metade (1145) não resistiram a um dos vírus mais letais conhecidos pelos cientistas. Mas uma imagem mais aproximada da dimensão do surto pode ser dada por um outro número divulgado pela OMS na quinta-feira, quando revelou ter pedido ao Programa Alimentar Mundial (PAM) que envie mantimentos para cerca de um milhão de pessoas impedidas de sair das zonas sob quarentena, na região onde os três países mais afectados – Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa – partilham fronteiras. Até agora a distribuição limitava-se a alguns milhares de pessoas.

O jornal espanhol El País analisou também as estatísticas da OMS e concluiu que o número de infecções tem progredido a uma média de 27% a cada dez dias, números que confirmam que o surto está ainda em plena fase de expansão. É na Libéria, o último dos três a registar infecções, que a taxa de progressão é maior – só entre os dias 1 e 13 de Agosto o número de infecções aumentou 68%.

A situação “está a deteriorar-se rapidamente e a evoluir mais depressa do que a nossa capacidade de resposta”, alertou sexta-feira Joanne Liu, presidente da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), recém-regressada de uma visita de dez dias à região mais afectada onde, diz, reina actualmente “uma clima de medo geral, como em tempo de guerra”. “As pessoas desconfiam dos centros de saúde. O acompanhamento dos doentes é insuficiente”, relatou.

A responsável, que falava em Genebra depois de uma reunião com responsáveis da OMS, lamentou que só no passado dia 8 a organização tenha declarado o actual surto – o mais mortífero desde que o vírus do ébola foi identificado, em 1979 – uma “emergência de saúde pública de dimensão internacional”.

Liu chamou a atenção para a situação na Libéria, onde a “epidemia não está confinada apenas a algumas aldeias e já se propagou a Monróvia, uma cidade com 1,3 milhões de habitantes”, sem hospitais nem médicos suficientes para travar um surto de uma dimensão “nunca antes vista”. “Se não estabilizarmos a Libéria, não conseguiremos estabilizar a região”, afirmou a responsável, calculando que, na melhor das hipóteses, serão precisos seis meses para controlar o surto. “Todos os governos devem mobilizar-se. É preciso fazer algo agora para conter esta epidemia”, alertou Liu, num apelo que foi repetido pelo senegalês Elhadj As Sy, secretário-geral da Federação Internacional da Cruz Vermelha.

Reconhecendo que o que tem sido feito até agora ainda não foi suficiente para travar a progressão das infecções, a OMS anunciou quinta-feira estar a coordenar “um aumento maciço da resposta internacional”, o que incluiu uma melhor colaboração entre as várias agências da ONU e o pedido para que mais países enviem contribuições e especialistas para África. O Centro para o Controlo de Doenças (CDC) dos EUA anunciou que vai enviar mais 50 peritos para a região e, em colaboração com a OMS, está a instalar equipamento informático para que os hospitais locais possam comunicar em tempo real novos casos. EUA, União Europeia e China prometeram também vários milhões de euros em ajuda aos países mais afectados.

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