Presidente iraquiano nomeia novo primeiro-ministro resistindo ao finca-pé de Maliki

Principais partidos xiitas uniram-se contra primeiro-ministro cessante e escolheram Haider al-Abadi para chefiar novo Governo. Forças leais a Maliki controlam centro de Bagdad

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Por causa das suas políticas sectárias, sunitas e curdos rejeitam um terceiro mandato de Maliki Thaier al-Sudani/Reuters

O Presidente iraquiano convidou Haider al-Abadi, o actual “número dois” do Parlamento, para formar Governo, mais de três meses depois das legislativas e numa altura em que o país corre o risco de desintegração. O indigitado terá pela frente a oposição do primeiro-ministro cessante Nouri al-Maliki que, ainda na última madrugada, deixou claro que não pretende abandonar por livre iniciativa o cargo que lhe pertence desde 2006.

“O país está nas suas mãos”, disse Fuad Masum numa breve cerimónia transmitida pela televisão iraquiana pouco depois de a Aliança Nacional Iraquiana (ANI), o bloco que agrega os principais partidos xiitas, ter acordado que Abadi seria o seu candidato ao cargo. A coligação liderada por Maliki, a mais votada nas já distantes eleições de 30 de Abril, integra formalmente este bloco, mas não é ainda claro se subscreveu a decisão – nas últimas semanas alguns aliados do primeiro-ministro admitiam estar em negociações para encontrar um nome alternativo, capaz de gerar o consenso que os governos de Maliki tornaram impossível.

Curdos e sunitas dizem-se ostracizados pelas políticas sectárias do poder xiita em Bagdad e muitos responsabilizam directamente o primeiro-ministro pelo regresso da guerra aberta ao país – a sua ordem para arrasar os acampamentos de protesto sunitas em Ramadi, no final de 2013, gerou uma onda de indignação que os jihadistas aproveitaram, ocupando quase sem resistência as duas maiores cidades da província de Anbar, de onde em Junho lançariam a actual ofensiva contra Mossul e as regiões a norte de Bagdad.

Apesar da situação de emergência no país, em três meses o novo Parlamento conseguiu apenas entender-se quanto ao nome do novo Presidente, que por acordo tácito desde 2003 está reservado a um curdo. A decisão do bloco xiita (a quem o mesmo entendimento atribuiu o cargo de primeiro-ministro) abre caminho ao fim do impasse, mas isso só acontecerá se Maliki recuar – e as últimas horas indicam que é pouco provável que isso aconteça.

Já depois do anúncio do nome de Haider al-Abadi, um membro do partido de Maliki disse, numa curta declaração televisiva,  que a escolha do novo primeiro-ministro é “ilegítima”. Com o próprio Maliki a seu lado, juntamente com outras figuras do regime,  Khalaf Abdul-Samad declarou que Haider al-Abadi “apenas se representa a si  próprio”.

“Vou apresentar queixa no Tribunal Federal contra o Presidente da República por clara violação da Constituição com base em cálculos políticos”, tinha anunciado o líder xiita, num discurso transmitido pela televisão cerca da meia-noite de domingo, quando as atenções estavam centradas nos bombardeamentos aéreos norte-americanos contra posições dos jihadistas no Norte do Iraque.

Maliki afirma que Fuad Masum não cumpriu os prazos legais para designar um novo primeiro-ministro e ignorou o princípio constitucional de que o escolhido deve ser o líder do bloco mais votado – uma discussão difícil de dirimir num país onde as alianças mudam constantemente e os deputados eleitos por um bloco mudam facilmente de bancada. “Esta atitude representa um golpe contra a Constituição”, acusou o líder xiita, afirmando que a atitude do Presidente “terá graves consequências para a unidade, a soberania e a independência do Iraque”. 

“Estado de emergência”

Palavras que poderiam ser apenas uma derradeira (e desesperada) tentativa para evitar a nomeação de um candidato alternativo, não fosse o facto de, à mesma hora em que falava, tropas leais tivessem ocupado posições no centro de Bagdad. Elementos das forças especiais e blindados do Exército iraquiano cercaram a Zona Verde – complexo fortificado que serviu de base aos militares norte-americanos durante a invasão e onde funcionam actualmente os edifícios do Governo iraquiano –, ocuparam várias pontes e os principais acessos ao centro da capital.

“Estas medidas são muito pouco habituais e assemelham-se às que imporíamos perante a declaração do estado de emergência”, disse à AFP um comandante da polícia de Bagdad. Um correspondente do Washington Post adiantou que os militares diziam estar sob comando directo de Maliki, que em oito anos de governo assegurou um poder sem paralelo, controlando o Exército e várias das principais milícias xiitas.

A Administração norte-americana – que após semanas de indecisão face aos pedidos de ajuda de Bagdad decidiu intervir apenas quando a região autónoma do Curdistão estava sob ameaça dos jihadistas – cortou relações com Maliki e, num comunicado divulgado domingo à noite, disse “apoiar totalmente os esforços do Presidente Fuad Masum no seu papel como garante da Constituição iraquiana”.

Já nesta segunda-feira, o chefe da diplomacia norte-americana, John Kerry, disse esperar que “o senhor Maliki não agite as águas”. “Uma coisa que todos os iraquianos precisam de saber é que haverá pouco apoio internacional a qualquer desvio do processo constitucional”, avisou.

Na sua primeira declaração enquanto primeiro-ministro indigitado, Abadi, um engenheiro electrónico doutorado pela Universidade de Manchester que foi conselheiro político de Maliki e ministro para as Comunicações, afirmou que só a união de todos os iraquianos será capaz de travar a “barbárica” ofensiva do Estado Islâmico contra o Iraque e “eliminar todos os grupos terroristas” que ameaçam o país. Washington não demorou também a felicitar Haider, dizendo esperar que seja capaz de “criar o quanto antes um governo e um programa de envergadura nacional”.

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