Nenhum lado quer continuar a guerra em Gaza, "mas alguém está a jogar um jogo muito arriscado"

Negociações continuam no Cairo para prolongar o cessar-fogo. Hamas diz que não aceita trégua a não ser que as suas exigências sejam satisfeitas e ameaça atacar o aeroporto de Telavive.

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O Hamas comemorou a "vitória" e fez mais exigências para aceitar um prolongamento do cessar-fogo Siegfried Modola/Reuters

Mediadores egípcios corriam contra o tempo para conseguir um prolongamento do cessar-fogo de 72 horas entre Israel e o Hamas que termina esta sexta-feira de manhã, enquanto levavam e traziam mensagens entre as duas delegações em negociação indirecta e procuravam fórmulas criativas e originais de contentar dois lados com exigências incompativeis.

Israel já disse que concordava com um prolongamento da trégua mas o Hamas diz que só a aceita se as suas exigências forem aceites. Tentando mostrar-se forte, o movimento organizou um comício de vitória, com um dos seus líderes, Mushir Al-Masri, a dizer: “Os nossos dedos estão no gatilho e os nossos rockets estão apontados a Telavive”. O movimento foi escalando as suas ameaças, repetindo que estava pronto a atacar na hora a que expira a trégua e prometendo que dispararia contra o aeroporto internacional de Ben Gurion, em Telavive, caso não conseguisse o fim do bloqueio a Gaza.

Esta ameaça estava a ser levada com alguma descrença: em Israel, as directivas eram para que os cidadãos voltassem à sua vida normal, uma recomendação que não foi alterada após a ameaça do movimento islamista.

No entanto, responsáveis do Estado hebraico avisaram que caso o Hamas disparasse rockets contra o país, a resposta seria dura “com fogo muito pesado”, nas palavras do ministro das Finanças, Yair Lapid.

Alguns analistas põem a hipótese de a trégua se manter mesmo sem um acordo, numa altura em que crescia a especulação sobre o que estava a ser discutido no Cairo.

Um responsável egípcio dava conta de um endurecimento das reivindicações palestinianas desde a chegada de representantes do Hamas – um movimento que as novas autoridades do Cairo baniram (após a perseguição e ilegalização da Irmandade Muçulmana, o movimento egípcio de que saiu o Hamas, pelas novas autoridades militares).

O diário israelita de grande circulação Yediot Ahronot dizia que ambos os lados deveriam acabar por recuar em algumas das suas posições iniciais – o movimento islamista palestiniano exigindo o levantamento total do bloqueio (impossível de aceitar por Israel sem um controlo apertado), Israel a desmilitarização da Faixa de Gaza (intolerável para o Hamas que perderia toda a sua força).

Na eventualidade de um alívio do bloqueio a Gaza,  uma ajuda internacional poderá ser essencial na verificação do que entra na Faixa (ainda que Israel nunca desista de fazer os seus próprios esforços para garantir que não há mais armas a chegar ao território). Uma participação da União Europeia parece cada vez mais provável. O ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, deu uma entrevista ao popular diário alemão Bild em que defendeu que “a necessidade da Alemanha e a União Europeia enviarem inspectores para Gaza para controlar o comércio que os palestinianos fazem com os países vizinhos”. A União Europeia já teve uma força a monitorizar a passagem em Rafah, entre o Egipto e Gaza, depois da retirada de Israel em 2005 e antes da chegada do Hamas ao poder em 2006.

Quanto à desmilitarização de Gaza, o que é preciso, diz o Yediot, é “uma fórmula que dê a sensação de um processo que culmine com o desarmamento do Hamas em Gaza”.

Outra solução criativa teria de ser encontrada para a abertura do porto de Gaza (exigência do Hamas), que poderia ser referida, de modo vago, em planos de “desenvolvimento futuro” do território, que ficou devastado, com bairros inteiros arrasados, 10 mil casas destruídas e 485 mil pessoas desalojadas.

Ambos os lados têm muito a perder com um recomeço da violência – o Hamas arrisca a sua popularidade em Gaza se iniciar uma segunda parte da guerra que deixou 1875 mortos (do lado israelita morreram 64 soldados e três civis). Já várias vozes questionam algumas decisões do movimento, como gastar recursos nos túneis e rockets e não na vida das pessoas comuns, que foram as mais atingidas. “O povo pagou mais do que o Hamas”, dizia à revista britânica Economist o dono de um hotel que teve de fechar. Uma sondagem dizia que em Gaza uma grande maioria é favorável à continuação do cessar-fogo.

Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu decidiu parar os combates quando foi determinado que os túneis foram destruídos e não seguir o que queriam alguns ministros e a maior parte da opinião pública, que seria manter tropas em Gaza até destruir os rockets do Hamas. Se o cessar-fogo se mantiver o apoio público que tem continuará; se falhar, Netanyahu deverá pagar o preço.

Mesmo com tudo isto, há um elemento de imponderabilidade. David Kenner, o editor de Médio Oriente da revista Foreign Policy, deixava a nota: “Custa-me a crer que a guerra em Gaza recomece, mas alguém está a jogar um jogo arriscado.” 

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