Israel aceita cessar-fogo de 72 horas, mas ninguém sabe o que vai acontecer depois

Israel aceita trégua para negociar sugerida pelo Egipto, depois de destruir o último túnel do Hamas. Guerra deixou mais de 1800 mortos e mais de 9000 feridos em Gaza, e ainda 64 soldados e dois civis israelitas.

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Menina palestiniana morta em ataque em Gaza em plena trégua humanitária Mohammed Salem/Reuters

Uma das inúmeras explosões ouvidas esta segunda-feira em Gaza foi a da demolição do último túnel descoberto pelas forças israelitas no terreno. Israel anunciou o feito, que chegou a ser considerado o objectivo da incursão militar na Faixa de Gaza. E horas depois, anunciava que aceitava um cessar-fogo de 72 horas a começar terça-feira de manhã, proposto pelo Egipto. Mas estava longe de ser claro o que iria acontecer a seguir.

Deslocações de tropas no terreno sugeriam uma preparação de Israel para uma retirada e facções palestinianas anunciaram uma posição comum para as suas exigências para um acordo com Israel em negociações mediadas pelo Egipto.

No entanto, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, veio dizer que Israel continuaria a ofensiva até ser assegurada “calma duradoura” para os cidadãos do país. E o porta-voz do Exército Moti Almoz declarava ao canal 2 da televisão israelita: “Não vamos sair de Gaza, vamos ficar. Ainda há muitas missões a terminar.” Pouco depois, outro porta-voz militar dizia que se o cessar-fogo se mantivesse, não havia razões para Israel manter tropas em Gaza.

Na imprensa israelita, Netahyanu era criticado pelas soluções aparentes para que parecia preparar-se – um cessar-fogo unilateral ou uma guerra prolongada de baixa intensidade.

À esquerda, o diário Ha’aretz pedia, em editorial, que Israel “restabeleça a vida normal em Gaza não como acção de propaganda mas por razões morais”. O território está sujeito a um bloqueio a bens e pessoas, deixando os seus entre 1,5 a 1,8 milhões de habitantes encurralados (seja em tempo de guerra ou normal).

Outros comentadores, como Daniel Nisman, do centro de estudos de risco Levantine Group com base em Telavive, dizem que oferecer o fim do bloqueio ao Hamas seria recompensar o movimento islamista, dando-lhe uma hipótese de reverter uma popularidade descendente. No entanto, como responsáveis israelitas repetem, não há modo de fazer o líder da Autoridade Palestiniana e da moderada Fatah entrar em Gaza “montado em tanques israelitas”. O analista Gershon Baskin comentava que esta reviravolta do Executivo aceitar o cessar-fogo poderá querer dizer que Netanyahu resolveu “deixar o Hamas no poder em Gaza”. Não é claro que resposta dará Israel ao conjunto de reivindicações palestinianas feitas no Cairo: retirada das tropas de Gaza, fim do bloqueio, libertação de prisioneiros. A maioria dos comentadores não acreditava que pudesse ser positiva.

Críticas a Netanyahu
Netanyahu fica exposto a críticas de “fraqueza” por retirar agora. Há quem elogie o primeiro-ministro por não arrastar indefinidamente uma operação que iria ter cada vez mais custos humanos (tanto do lado palestiniano, o que aumenta a pressão internacional sobre Israel, como em termos de baixas israelitas, que já vão em 62), mas há quem diga que o Estado hebraico se retira assim sem uma vitória palpável e arriscando deixar um Hamas mais popular do que nunca em Gaza. Esta divisão era evidente nos artigos de opinião do diário de grande circulação Yediot Ahronot. Por um lado, o analista Shimon Shiffer criticava uma “retirada para lado nenhum”: “Netanyahu escolheu retirar da Faixa de Gaza sem um acordo e sem uma vitória. Escolheu continuar a desgastar os israelitas numa guerra de desgaste sem fim à vista.” Outro comentador de peso, Simoa Ladmon, apoiava o primeiro-ministro. “A decisão de não deixar o Hamas arrastar-nos profundamente em Gaza – e pior, na Gaza subterrânea – é corajosa”, diz Ladmon, embora reconheça que deixa Netanyahu a expor o flanco a ataques do seu próprio campo político. A questão é o que se seguirá ao fim das hostilidades.

Há quem defenda soluções mais criativas para assegurar que não há mais ataques contra Israel, desde a sugestão de Tzipi Livni para que o país construa uma barreira subterrânea para impedir os túneis através dos quais o Hamas pode lançar ataques - neste conflito fê-lo atacando alvos militares, embora o potencial de ataques a civis seja o que mais está a afectar os habitantes do Sul de Israel, com relatos de crianças a dizerem que ouvem barulho sob a terra e imaginarem que se trata de combatentes inimigos. Outra proposta original veio do ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, que sugeriu que Gaza fique sob controlo de uma força da ONU, falando do exemplo de Timor Leste e do Kosovo como casos de sucesso.

O pedido de uma negociação entre Israel e a Autoridade Palestiniana mesmo que após uma retirada unilateral ganha mais força quando o conflito ameaça cada vez mais expandir-se. Já não foram só as manifestações na Cisjordânia: dois possíveis ataques em Jerusalém levantaram medos em Israel. Num dos incidentes, um trabalhador de uma obra lançou-se, com um bulldozer, contra um peão, ferindo-o com gravidade (o jovem morreu no hospital), e de seguida contra um autocarro, que derrubou. Há versões contraditórias, mas o Estado hebraico está a apresentar o incidente como um atentado terrorista levado a cabo por um palestiniano de Jerusalém Oriental, que foi morto a tiro pela polícia. Horas mais tarde, um homem armado matou um soldado israelita antes de fugir numa motorizada, um ataque que a polícia está também a tratar como um atentado terrorista. Telavive e Jerusalém foram postas em alerta. Jerusalém não tinha um ataque desde há três anos.

Mais de 9000 feridos, a maioria com gravidade
À medida que se aproxima o tão esperado cessar-fogo, e um que se espera mais duradouro do que as tréguas anteriores, também se esperava um aumento dos ataques de ambos os lados imediatamente antes – algo que acontece regularmente e permite a cada lado fortalecer a sua imagem de vencedor.

O conflito em Gaza provocou já a morte de 1865 pessoas (segundo a ONU 80% dos mortos são civis), e deixou cerca de 9 mil feridos. A grande maioria destes feridos são feridos com gravidade, contou à AFP Ghassan Abu Sitta, cirurgião plástico da Universidade Americana de Beirute enviado para Gaza pela organização Medical Aid for Palestinians. “A minha sensação é que cerca de 70% terão algum tipo de deformidade permanente, ou em termos de cicatrizes ou em termos de deformações funcionais. Não vão nunca voltar a ser o que eram”.

A agência de notícias francesa descreve casos como o de Yamin, três anos, o único sobrevivente de um ataque que atingiu a sua casa e matou toda a sua família, e uma das muitas vítimas que ficou gravemente queimada nos ataques israelitas. Abu Sitta descreve um caso ainda pior: “Um rapaz de oito anos que basicamente perdeu metade da cara incluindo o olho, e perdeu o outro olho com estilhaços”, conta. “Perdeu os olhos. Perdeu toda a sua família, a sua capacidade de cuidar de si próprio foi completamente destruída. Não há futuro para ele. Ele continua a perguntar porque apagaram as luzes.”

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