Tribunal inglês decide se retirada de bebé a mãe portuguesa é definitiva

Peritos vão confrontar pareceres médicos em Setembro. Criança está numa família de acolhimento e deverá ser entregue a uns tios paternos em Agosto.

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Enquanto o processo corre no tribunal de família, a mãe continua sob investigação criminal Luke Macgregor/Reuters

Uma audiência judicial final sobre a situação da bebé retirada à mãe portuguesa a viver em Southend, Inglaterra, realiza-se no início de Setembro. Depois disso, a juiza decidirá se a menina pode ou não voltar para a mãe. A criança tinha cinco meses quando foi entregue a uma família de acolhimento inglesa, em Maio, por decisão de um juiz do Tribunal de Família desta cidade a leste de Londres.

O processo da retirada foi iniciado pelos Serviços Sociais de Southend depois de um parecer médico do Southend University Hospital, onde a menina foi observada a partir de dia 16 de Abril, dois dias depois de cair de uma cadeirinha de descanso, quando estava com a mãe de 29 anos e a avó materna em casa. O pai inglês, separado da mãe, visitava a filha regularmente. Por ter estado com ela três dias antes do incidente, foi igualmente excluído pelos serviços sociais como possível cuidador.

Exames médicos feitos nesses dias mostraram uma “suspeita de fractura” no crânio, que o pediatra Fathel Rahman Awadalla considerou ser impossível relacionar com uma queda acidental, como escreveu no relatório de 22 de Abril enviado à assistente social do Departamento de Crianças (Children Department) dos Serviços Sociais de Southend. O documento põe em dúvida a versão dos acontecimentos apresentada pela mãe. Os serviços sociais invocaram os “riscos potenciais” para a bebé e pediram a sua colocação numa família de acolhimento. Contactados, os Serviços Sociais de Southend não deram informações ao PÚBLICO justificando o silêncio com o dever de confidencialidade nestes casos.

O juiz deu-lhes razão e poderes para conduzirem o processo e determinou que assim que concluíssem a avaliação aos tios do pai da menina (apresentados como familiares que a podiam acolher) esta passaria para viver com eles; até lá ficaria na família de acolhimento (onde ainda se encontra). Esta dupla decisão judicial – tomada entre Maio e Junho – seria provisória até à audiência final no tribunal, marcada para ter início a 8 de Setembro.

A partir dessa data, perante nova informação entretanto recolhida e mais testemunhos presenciais, a nova juíza do caso vai determinar se a retirada da bebé à mãe é definitiva. Esta nova audiência, que pode demorar até cinco dias, antecede a decisão final, a ser conhecida  num prazo máximo de três meses. Um pedido de recurso – apresentado pelos pais ou pelos serviços sociais – deverá ser interposto num prazo máximo de 21 dias e apenas será aceite se forem encontradas novas provas ou detectado um erro processual. 

Visões não coincidentes
Entre os depoimentos presenciais esperados na sessão de Setembro, estão os de dois médicos independentes. Um deles não exclui a possibilidade, embora remota, de a menina ter apenas sofrido um hematoma, sem fractura. O outro não duvida que houve fractura e rejeita a tese de acidente: uma bebé de cinco meses não teria força para cair sozinha da cadeirinha de modo a provocar uma fractura, sustenta.

O primeiro é o radiologista de pediatria Alan Sprigg. Não exclui a hipótese – improvável mas não impossível, considera – de sob o hematoma, haver uma linha da estrutura óssea da bebé e não uma fractura. Também refere que o hematoma (ou inchaço) pode ter sido ocultado pelo cabelo da bebé até dois dias depois da queda, o que explicaria o facto de a mãe só então a ter levado ao hospital. No relatório de 30 de Junho, afasta “mal-entendidos” – palavras suas – relativamente às informações que lhe foram enviadas do hospital: “Para que não haja dúvida, não existem provas de sangramento interno em consequência de uma complicação resultante de fractura.”

O outro médico consultado e a ser ouvido em tribunal é Charles Essex, especialista em neurologia infantil. O mesmo que, numa carta publicada no jornal Daily Telegraph em 2005, defendia que a existirem dúvidas do radiologista – entre ser uma fractura ou uma linha do crescimento natural dos ossos – a informação não poderia ser aceite como prova de acusação de mau trato infantil. Neste caso, a “fractura” é para ele inquestionável. Charles Essex rejeita a versão que considera “implausível” de uma queda acidental e insiste na questão da “demora” da mãe em levar a bebé ao hospital.

Cenários possíveis
Ainda antes da audiência de Setembro, a menina deverá deixar a família de acolhimento inglesa, onde se encontra desde o início de Maio, e ser entregue aos tios do pai em Agosto, em cumprimento da ordem dada, em 23 de Maio, pelo anterior juiz do processo.

Esse acolhimento em meio familiar ficará excluído se a decisão da nova juíza do caso for favorável aos pais e a bebé for devolvida à mãe. No caso de a decisão não lhes ser favorável, um outro cenário é possível: a menina ser acolhida por uma de três pessoas (familiares ou amigos muito próximos da família), a viver em Portugal, indicadas pela mãe (que vive e trabalha há cinco anos em Inglaterra).

Para tal, os serviços sociais britânicos terão de iniciar diligências junto das autoridades portuguesas, no sentido de estas procederem à avaliação das famílias indicadas de modo a que sejam ou não consideradas aptas para acolher a bebé. Uma vez recebido o pedido, a autoridade central em Portugal solicitará aos serviços competentes – neste caso, a Segurança Social – que proceda à avaliação destas pessoas, explicou ao PÚBLICO fonte do gabinete do secretário de Estado das Comunidades, José Cesário.

O pedido de avaliação destas pessoas ainda não chegou, até ao momento, a Portugal. “Esse pedido está em fase de envio” – foi esta a informação transmitida pelos Serviços Sociais de Southend ao Consulado-Geral de Portugal em Londres, que segundo diz José Cesário, “tem mantido contactos regulares” com a mãe da bebé.

Para já, apenas os tios paternos em Inglaterra foram aceites no âmbito daquilo que o sistema britânico designa por Special Guardian Order (ordem de guarda especial), mas ficarão durante 16 semanas sob avaliação. Qualquer falha aos cuidados da criança, detectada pelos assistentes sociais de Southend, pode significar uma nova retirada e a colocação da menina para adopção se nenhuma pessoa ou família forem consideradas aptas para a receber em Portugal.

Oito horas por semana
Enquanto o processo corre no tribunal de família, a mãe continua sob investigação criminal, por suspeita de agressão, e proibida de falar à comunicação social ou publicitar o caso na Internet, sob pena de ser presa, como pode acontecer em Inglaterra nos processos de retirada de crianças ainda em curso.

Vê a filha quatro dias por semana, durante duas horas, num centro de contacto, por vezes acompanhada do pai da criança; e assim será, mesmo quando a bebé for entregue aos tios paternos, tendo os serviços sociais e o juiz desaconselhado a presença da mãe na casa destes familiares porque, segundo eles, poderia perturbar o bom desenrolar da integração da bebé na nova família.

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