Pressão de líder religioso xiita acelera processo político no Iraque

Movimentações partidárias intensas num país com a unidade ameaçada. Rei saudita prometeu aos EUA influenciar sunitas a participarem em solução governativa.

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Maliki tem resistido a ceder aos que defendem o seu afastamento LEON NEAL/AFP

O apelo do ayatollah Ali al-Sistani, principal autoridade religiosa dos xiitas iraquianos, a um rápido entendimento sobre o nome do primeiro-ministro, pode revelar-se decisivo para um acordo de governo do país, que viu a sua unidade ameaçada pela ofensiva jihadista das últimas semanas.

Sistani defendeu na sexta-feira a urgência de ser escolhido um próximo chefe do Governo – o que pode culminar na substituição da liderança de oito anos de Nouri al-Maliki.

O primeiro-ministro é apontado, quer por adversários internos quer por países estrangeiros, como o responsável pelo agravamento da situação no país, devido a políticas sectárias que levaram tribos sunitas a alinharem com os jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) que, nas últimas semanas, ocuparam vastas áreas do Iraque.

O chefe do Governo tem resistido a ceder aos que defendem o seu afastamento, argumentando com o triunfo que a sua Aliança para o Estado de Direito obteve nas eleições de Abril - que no entanto não lhe garantiu apoio suficiente para governar. A entrada em cena de Sistani – após mais uma tentativa gorada de consenso entre partidos xiitas sobre o nome do chefe do próximo Governo – torna mais difícil o prolongamento da liderança interina de Maliki e pode alterar o rumo dos acontecimentos no plano político.

As hipóteses que se afiguram mais prováveis na sequência da intervenção do ayatollah são, como nota a Reuters, duas: ou Maliki consegue formar uma coligação que o leve a um terceiro mandato ou se afasta. O passado recente, a prática política do chefe de Governo e o estado de um país ameaçado de desintegração, tornam extremamente difícil que seja ele a protagonizar uma solução política.

Aliados de Maliki ouvidos pela Reuters disseram que o apelo do líder religioso não significa que a sua intenção seja ver o chefe do Governo afastado da governação. Sistani “não quer envolver-se na escolha do próximo primeiro-ministro, mas [dizer] que tem de haver avanços”, disse um seu apoiante. Ainda que os seus mais próximos continuem a dar como certa a permanência do actual líder no poder, dirigentes da sua aliança já admitiram poder ter de vir a indicar outro nome.

Contra si Maliki tem tanto os sunitas, que se queixam de uma marginalização que levou grupos tribais a juntarem-se aos islamistas radicais do ISIS, como os curdos. Um diplomata ocidental disse à Reuters, sob anonimato, estar convencido da inevitabilidade da substituição do dirigente, devido ao fracasso no plano militar, aquele em que lhe eram atribuídas mais credenciais. A questão, acrescentou, coloca-se entre um nome alternativo oriundo da Aliança para o Estado de Direito ou o de um dirigente indicado por outra força política xiita.

Mudança saudita

Para além de Sistani, quem também pode interferir na equação política iraquiana é o rei saudita Abdullah, que tem resistido a apoiar a formação de um novo executivo em Bagdad até que seja claro que Maliki não continuará como primeiro-ministro. Responsáveis norte-americanos citados pelo New York Times disseram que o monarca prometeu ao secretário de Estado, John Kerry, usar a sua influência junto dos líderes sunitas iraquianos para acelerar um governo de convergência que contribua para a estabilização do país.

O diário norte-americano escreveu que a mudança de posição saudita decorre do facto de o avanço jihadista deixar os radicais islâmicos mais perto da suas fronteiras e pela convicção de que a melhor forma de afastar Maliki do poder é encorajar os sunitas a participarem numa alternativa política com partidos curdos e xiitas rivais do actual chefe do Governo. “O secretário [de Estado] e o rei acreditam que os desafios [que se colocam] à segurança do Iraque exigem um novo Governo”, disse um responsável norte-americano citado pelo jornal.

“As próximas 72 horas são muito importantes para se chegar a um acordo… para impulsionar o processo político”, disse um deputado xiita, citado pela Reuters sob anonimato. Também as forças políticas sunitas estão a realizar intensos contactos entre si.

No Iraque pós-Saddam Hussein, o primeiro-ministro sempre foi um xiita, o Presidente, cargo essencialmente representativo, um curdo, e o presidente do Parlamento um sunita.

A urgência de uma solução deve-se principalmente à situação no terreno – ontem, contrariando a tendência recente, as notícias eram de uma ofensiva do Exército e da aviação contra Tikrit, 160 kms a norte de Bagdad, ocupada por jihadistas. Mas a necessidade de uma solução governativa decorre também da aproximação do dia 1 de Julho, a próxima terça-feira, data para que está marcada a primeira sessão legislativa do Parlamento após as eleições.

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