Pactos, partidos e os três macacos sábios

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Três semanas depois do grande alarme das eleições europeias de 25 de Maio, que indícios há de vontade de mudança? Olhemos, desta vez, os casos de Espanha e Portugal. Na Espanha, a abdicação do rei colocou os partidos perante o desafio de acordarem um pacto de reforma do Estado. Em Portugal, está no centro do debate um pacto, menos ambicioso, sobre a saída da crise económica.

Espanha
A Espanha tem uma oportunidade: a abdicação do rei. Juan Carlos não abdicou por causa do 25 de Maio. Mas as europeias determinaram o timing: perante o risco de desagregação do PSOE e a perspectiva duma radicalização após as legislativas de 2015, Juan Carlos assegurou uma sucessão pacífica num Parlamento ainda dominado pelo PP e pelo PSOE. E, neste processo, o homem fundamental foi Pérez Rubalcaba.

Pergunta o historiador Borja de Riquer: “O PP e o PSOE terão a coragem de aproveitar a conjuntura aberta pela mudança do monarca para empreender as transformações e as reformas necessárias? Tenho as minhas dúvidas.” Em cima da mesa estão a Catalunha, o esgotamento do modelo constitucional de 1978, a revisão das autonomias, a perda de confiança nas instituições.

Os socialistas estão mergulhados na pior crise de sempre. “O PSOE converteu-se num dos grandes problemas políticos de Espanha, no sentido de que se não recuperar a sua existência, já não falo nos seus votos, os outros problemas de Espanha não se poderão resolver”, adverte o analista Andrés Ortega.

Por seu lado, o PP não terá aprendido muito com o 25 de Maio e está com os olhos postos nas legislativas de 2015, esperando que uma melhoria, mesmo ligeira, da situação económica lhe dê uma vitória. Business as usual.

E os cidadãos? Questionam os partidos. Subiu para 93% o número dos que pensam que “os partidos deveriam introduzir mudanças na sua forma de funcionar e dar mais atenção ao que as pessoas pensam” (Metroscopia-El País).

Os politólogos não são optimistas. Belén Barreiro adverte: “A crise económica funciona como causa, mas a crise política avança a uma velocidade que mesmo uma recuperação económica não a parará.” Na opinião de Fernando Vellespín, “tudo indica estarmos perante um fim de regime, o que foi instaurado após a Transição, mas ignoramos o que o possa substituir.”

O escritor catalão Antoni Puigverd teme tempos de turbulência. Se nada mudar, “a rua transbordará, os conflitos que já são visíveis estalarão, a esquerda purista varrerá o PSOE e mesmo que, graças ao ‘factor medo’, o PP consiga uma nova maioria, a sorte do novo monarca (e da monarquia) estará traçada. Se o rei Felipe conseguir encabeçar uma abertura, por difícil que seja, estará garantido. Mas se for um joguete táctico nas mãos de um PP de vistas curtas, que Deus nos apanhe confessados.”

Portugal
Cito um editorial do PÚBLICO (10 de Junho). Analisando o discurso de Cavaco Silva na Guarda, exigindo um acordo entre os partidos que subscreveram o memorando, afirma: “Na cabeça de Cavaco, esse tempo não é abstracto. Tem uma data precisa: quatro meses. Até Outubro, momento em que o novo Orçamento do Estado é apresentado ao Parlamento, o Presidente gostaria que os ‘partidos políticos’ — leia-se PSD, CDS e PS — se sentassem à mesa e acertassem uma estratégia nacional de longo prazo.”

Prossegue o editorial: “Esta poderá ser a mais acertada e honesta proposta que um Presidente da República pode fazer quando um país está como Portugal está. E, já agora, quando a Europa está como está. Mas é, infelizmente, uma proposta irrealista.”

Porquê? “Desde logo, porque o Partido Socialista está demasiado ocupado com a sua guerra interna para decidir o seu líder. Os timings da guerra socialista, pelo menos os que existem hoje, são incompatíveis com os timings de Belém. (...) Vai alguém no PS pensar por um minuto nas palavras do Presidente da República? Hoje e em qualquer dos próximos 100 dias?”

E do lado do PSD? “Passos Coelho não está preso a uma fragilidade generalizada: o primeiro-ministro não tem medo de ser impopular. Mas Passos não tem sido exactamente o exemplo de primeiro-ministro que dialoga. Nem mesmo com os seus parceiros de coligação.”

Passemos à reforma do Estado. Os inquéritos de opinião indicam que a grande maioria dos portugueses quer um pacto entre partidos. Sem sucesso. Explicou, em Março, António Barreto numa entrevista ao DN: “Quem não quer [os acordos] é uma parte da elite política, uma parte importante dos partidos políticos. E na imprensa, que vive a informação de uma maneira mais activa, enérgica, mais adversarial e contraditória, não tem bom acolhimento a ideia.”

“Não acredito [na reforma do Estado] enquanto não houver um acordo global a médio prazo, nunca menos de cinco, dez anos, no qual participe a maioria dos partidos políticos, sobretudo os mais importantes, com a participação das empresas, do sindicalismo e de outros tipos de interesses. Lembra-se do acordo de Moncloa [na Espanha em 1977], lembra-se dos acordos feitos na Alemanha, na Holanda, em França? Há em quase todo o sítio. Tem de haver em Portugal.”

Diga-se que mais grave do que “não querer” é “não poder”. É a declaração de falência duma “classe política” e motivo de cepticismo: uma nova elite política não emerge de um dia para o outro.

Os pactos não são a panaceia universal: são a ponte entre a estabilidade e a mudança. Os partidos portugueses poderiam aprender com Espanha o preço que se arriscam a pagar. Desde que a crise económica se instalou, a esmagadora maioria dos espanhóis pede um “grande pacto nacional” para enfrentar a crise económica e institucional. Mas o PP “não queria” e o PSOE “não podia”. Nas europeias, os eleitores puniram-nos, estilhaçando o bipartidarismo. Nas eleições de 2007, PP e PSOE somaram 83,8% dos votos. Em 2014, somaram menos de 50.

Cegos, surdos e mudos
Todos conhecem a figura dos “três macacos sábios”. Um tapa os olhos. Outro tapa os ouvidos. O terceiro tapa a boca. É uma antiga representação oriental. No Japão e na China, simbolizam sabedoria e virtude: não ver o que não se deve ver; não ouvir o que é indigno de ouvir; não dizer nada que não se deva dizer.

Há uma escola inteira de políticos que aplicam esta sabedoria à sua maneira: tapar os olhos perante a realidade; não ouvir o que desagrada; nada dizer que seja impopular.

Resultado? Previne Vallespín: “A mudança foi reprimida durante tanto tempo que agora está a rebentar-nos na cara, ignorando os mecanismos de travagem.”

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