As canonizações papais

A esta Igreja falta um pouco menos de santidade e muito mais de mundo.

Quem olhe para a lista dos papas canonizados, verifica que a larguíssima maioria destes são anteriores ao ano 1000.

Com datas por vezes incertas de pontificado, com uma aura de tempos imemoriais, muito ligados a uma "Igreja Primitiva", dos 81 Papas canonizados, apenas cinco viveram depois dessa mítica passagem de milénio (dois no século XI, um no XIII, outro no XVI, e um no XX).

No próximo domingo, o nosso desastroso século XX europeu terá mais dois Papas canonizados: João XXIII (1958-1963) e João Paulo II (1978-2005), ambos já antes beatificados. Isto é, os últimos 100 anos do segundo milénio ficam com três dos sete Papas canonizados nesse largo período de tempo (para além destes dois novos santos, já o era Pio X).

A juntar a esta riqueza de canonizações neste século de ouro da nossa civilização ocidental, mais quatro Papas deste século XX foram proclamados como Veneráveis ou Servos de Deus, outros graus nas etapas para a canonização: Leão XIII (1878-1903) e Pio XII (1939-1958), e Paulo VI (1963-1978) e João Paulo I (1978), respectivamente.

Resumindo, num milénio em que muito poucos Papas alcançam a beatificação, e muitos menos a canonização, o século XX deu à Igreja Católica um escol de virtuosos e santos Sumo Pontífices que, a um olhar de crente, apenas pode justificar uma especial atenção protectora de Deus à sua Igreja em tempos tão conturbados.

Contudo, o nosso olhar aqui não é o do crente. Não porque o critiquemos, pois tem toda a legitimidade em existir, mas simplesmente porque não é este o espaço para tal. Torna-se quase irónico que, num século em que o Catolicismo teve tanta dificuldade em lidar com o mundo e com os desafios que este lançou a todas as instituições, o olhar que a cabeça da Igreja Católica lança para dentro, e passa para fora, é o da máxima valorização e auto-reconhecimento.

Inevitavelmente, numa tão desejada e procurada imagem de si mesma, onde nada melhor que apresentar a perfeição de ter sido dirigida por Santos, as incongruências podem surgir a cada virar de página desta História de um século XX que de simples e linear pouco ou nada teve.

Seja no caso de João Paulo II – o caso agora mais referido a propósito dos seus supostos silêncios em torno dos casos de pedofilia –, ou de outros que poderão surgir, ao colocar a fasquia da sua Direcção no patamar da santidade, servem-se os telhados de vidro para as pedras alheias.

Já que ainda estamos com a Páscoa na nossa mente, a esta Igreja falta um pouco menos de santidade e muito mais de mundo, o que apenas tornaria a Igreja Católica mais humana, talvez um pouco mais à imagem da figura do Cristo que se fez homem.

Director da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona
 

   

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