Renamo intensifica ataques, UE e EUA preocupados com escalada da violência

Apelos ao diálogo não têm eco em Moçambique. Política faz-se a tiro. Para sábado está marcada manifestação pró-Guebuza

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Os ataques da Renamo, que se concentravam numa área limitada de Sofala, têm alastrado Nelson Garrido

Sem que tenha sido declarada, a guerra é, cada vez mais, a realidade de Moçambique. O distrito de Funhalouro, na província de Inhambane, entrou esta semana no mapa dos ataques atribuídos à Renamo (Resistência Nacional de Moçambique, antiga guerrilha e maior partido da oposição).

A última acção armada de que há notícia ocorreu na manhã de quarta-feira: um ataque a uma coluna automóvel no troço da Estrada Nacional n. 1 (EN1) entre Muxúnguè e o rio Save, na província de Sofala, no centro, fez três mortos. Entre os feridos – quatro ou sete, o número diverge consoante as fontes – estão dois futebolistas do Ferroviário de Quelimane. O caso aconteceu no distrito da Gorongosa, onde as acções armadas da Renamo têm sido mais frequentes nos últimos meses.

Na madrugada de terça-feira, um grupo de homens armados do maior partido da oposição tinha atacado as instalações da polícia em Mavume, no distrito de Funhalouro, província de Inhambane, a sul do Save. Foi morto um agente de 21 anos que, segundo a imprensa moçambicana, cumpria o seu primeiro dia de trabalho.

Os atacantes assaltaram também o posto de saúde – de onde levaram medicamentos e material cirúrgico – e o mercado local. Famílias de Mavume fugiram das suas casas em busca de segurança.

Residentes em Polulo, a cerca de 30 quilómetros de Mavume, disseram à imprensa moçambicana que, na mesma manhã, ocorreram confrontos entre soldados e homens armados da Renamo. O jornal A Verdade noticiou que causaram ferimentos a pelo menos sete militares. O movimento guerrilheiro teve uma base na zona durante a guerra civil de 1976-1992.

No distrito da Gorongosa o número de deslocados foi já estimado pela imprensa moçambicana em cerca de quatro mil. Na mesma província, Sofala, um delegado político da Renamo em Nhamatada, que tinha sido levado de casa há uma semana, foi encontrado morto no último sábado.

A guerra que os moçambicanos acreditavam ser passado, mas de que regressaram sinais desde meados de 2013, tinha já chegado dias antes a Inhambane, ao vizinho distrito de Homoíne, com acções armadas em Pembe e Fanhanha, que provocaram a fuga de habitantes. Nos últimos meses, os ataques atribuídos à Renamo tiveram como palco o troço de cem quilómetros Muxúnguè-rio Save e ocorreram alguns episódios na província de Nampula, no Norte. Agora está a acontecer o mesmo na província de Inhambane, uns 500 quilómetros a norte da capital. Morreram já dezenas de pessoas.

Política a tiro
Em Maputo, no terreno político, o Governo da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, no poder desde a independência, em 1975) e a Renamo continuam de costas voltadas. O diálogo político iniciado em Abril de 2013 não deu frutos e está interrompido desde Outubro. A antiga guerrilha, que reclama modificações nas leis eleitorais e despartidarização do Estado, só aceita voltar às discussões na presença de observadores internacionais. O executivo considera que os assuntos em discussão são matéria “doméstica”.

A Renamo queixa-se de perseguição e acusa o Governo de ter tentado assassinar o seu líder, Afonso Dhlakama, que está em local desconhecido desde que, em Outubro, as Forças Armadas tomaram a base de Satungira, Sofala, onde viveu no ano anterior.

As duas partes parecem privilegiar a política feita a tiro e não os apelos à paz que vêm de diferentes sectores. No sábado, o antigo Presidente Joaquim Chissano disse à televisão STV que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, deve ser “acarinhado” para que possa haver diálogo. “Esperamos que um dia a razão prevaleça e que o diálogo aconteça, pois não queremos que ninguém perca: todos devem ganhar. Acho que devíamos acarinhar o senhor Dhlakama, para que aceite dialogar”, disse.

No início da semana, a União Europeia apelou ao fim dos ataques. Na quarta-feira, num comunicado divulgado após o ataque a Mavume, a Embaixada dos Estados Unidos em Maputo disse que a morte do jovem polícia se insere numa “série de eventos trágicos” e manifestou profunda preocupação pelos “relatos de confrontos contínuos”. A presença de homens armados da Renamo em todo o país é considerada “altamente preocupante” pela representação norte-americana.

O Presidente da República, Armando Guebuza, tem sido muito criticado, por ter ordenado o ataque a Satungira, a partir do qual se acentuou o clima de guerra. Numa resposta à contestação, a Frelimo convocou para este sábado, em Maputo, uma manifestação de apoio ao também líder do partido governamental.

Um sinal do nervosismo no campo governamental, descrito pel’O País como “confusão”, ocorreu nesta quarta-feira: a presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, foi abordada pela Polícia de Investigação Criminal, que pretendia saber se é ou não autora de uma mensagem que tem circulado por telemóvel, na qual se apela ao derrube do Presidente. “A resposta que dei foi simples: eu não me escondo por detrás das mensagens”, disse.

Para Outubro deste ano estão marcadas eleições legislativas e presidenciais. Guebuza não pode voltar a candidatar-se e a comissão política da Frelimo escolheu em Dezembro três pré-candidatos à sucessão, considerados todos eles próximos do actual líder, o que, segundo a imprensa moçambicana, está a causar mal-estar no seio do partido.

Os pré-candidatos são o primeiro-ministro, Alberto Vaquina, o ministro da Agricultura, José Pacheco, e o ministro da Defesa, Filipe Nyussi. A escolha será feita pelo comité central, no início de Março, e o secretário-geral da Frelimo, Filipe Paúnde, afirmou que o candidato sairá necessariamente deste lote.
 

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