Apesar do finca-pé, Cabul precisa “desesperadamente” das tropas dos EUA

Presidente afegão adiou assinatura de acordo de segurança com os EUA, mas sem o apoio estrangeiro o seu governo ficará desguarnecido.

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Ficarão 8000 a 12 mil estrangeiros para treinar militares afegãos ROMEO GACAD/AFP

Faltam poucos dias para o final do ano e o Presidente afegão não cedeu ao bluff dos EUA — irritada com a recusa de última hora de Hamid Karzai, a Administração Obama avisou que a não assinatura do acordo bilateral de segurança até 31 de Dezembro tornaria muito difícil a permanência de soldados americanos no Afeganistão após 2014. Fevereiro é apontado como nova data-limite e quase todos apostam que, apesar do finca-pé, o acordo acabará por ser assinado.

“É altamente provável e a principal razão é que o Afeganistão precisa desesperadamente do acordo”, diz ao PÚBLICO Graeme Smith, analista do International Crisis Group, sublinhando que a repetição do cenário iraquiano — em que a falta de um entendimento levou o Presidente americano a ordenar o fim da presença americana — deixaria o Governo afegão desguarnecido e o inevitável aumento da insegurança poria em risco os 16 mil milhões de dólares de ajuda internacional prometida para os próximos anos.

Negociado durante meses, o acordo foi fechado em Novembro e prevê que os EUA (e eventualmente outros países da NATO) deixem no país entre oito a 12 mil soldados para treinar e dar apoio às forças de segurança afegãs — um número que pode engrossar para 15 mil se somadas as forças especiais que vão ficar no Afeganistão para continuar a caça a grupos terroristas. Cabul aceitou dar imunidade judicial aos soldados americanos e Washington concordou que só em “circunstâncias excepcionais” serão realizadas buscas em residências, uma das principais queixas dos afegãos a par dos ataques aéreos que mataram centenas de civis.

Mas Karzai surpreendeu logo depois, ao dizer que o acordo só será assinado após as presidenciais de Abril, a fim de evitar “ingerências na soberania” do país. O anúncio deixou em estado de choque a economia afegã —a moeda atingiu um mínimo histórico, a inflação disparou para 25% — e levou o Pentágono a avisar que ficaria sem tempo para planear a nova missão. “A retirada total começou por ser uma ameaça retórica, que ninguém levou a sério, mas os americanos estão agora efectivamente a fazer planos para esse cenário”, diz Smith. Ainda assim, acredita que mais tarde ou mais cedo Karzai cederá: “A alternativa seria pura e simplesmente uma loucura”.

Pagar às tropas
Os analistas dizem que os EUA têm alternativas para continuar a apoiar as forças afegãs ou desencadear operações especiais no país — a transferência de competências para a CIA ou o recurso a drones são duas opções. “Mas a retirada americana seria catastrófica para o Governo afegão a longo prazo”, diz Seth Jones, analista da Rand Corporation, admitindo que, sem o apoio dos EUA, será difícil aos afegãos oporem-se aos avanços que já começam a desenhar-se dos taliban e da rede Haqqani, próxima da Al-Qaeda, no Sul e Leste do país.

Mas tão decisivo como conseguir o apoio militar será assegurar que os soldados afegãos continuam a ser pagos. Em 2013, o orçamento do Exército afegão atingiu os 6500 milhões de dólares, mais do dobro da receita fiscal de Cabul, e só pode ser mantido se os EUA não cortarem o financiamento prometido.

O montante é muito inferior aos 120 mil milhões gastos pelo Pentágono em 2011, no auge do reforço ordenado por Obama, mas os analistas avisam que dificilmente o Congresso, a quem cabe aprovar a ajuda, manterá a torneira aberta pelos dez anos que é suposto o acordo bilateral vigorar.

Ao PÚBLICO, Smith lembrou que o Governo que os soviéticos deixaram em Cabul em 1989 sobreviveu vários anos aos avanços dos mujahedin e “só colapsou quando a URSS se desmoronou e o dinheiro acabou”. “Essa uma lição que continua a ser muito importante.”
 

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