Violência da polícia de Hong Kong dificulta possíveis entendimentos

Governo local mostrou-se aberto a iniciar processo de diálogo depois de uma noite de grande tensão.

Foto
Noite de grande tensão entre os manifestantes e a polícia de Hong Kong Alex Ogle / AFP

A violência policial regressou às ruas de Hong Kong na madrugada desta quarta-feira, levando às mais fortes críticas por parte dos sectores pró-democráticos desde o início dos protestos no mesmo dia em que o governo voltou a abrir caminho ao diálogo com os manifestantes.

Nas últimas horas vieram a público imagens televisivas onde se vê um homem algemado a ser agredido por seis polícias. O vídeo, captado pelo canal local TVB, mostra o manifestante no chão enquanto era empurrado e pontapeado. Há também imagens de cargas policiais sobre grupos de manifestantes. A polícia deteve ainda 45 pessoas por “ajuntamento ilegal”, diz a BBC.

O episódio da agressão ocorreu durante a última noite, em que a polícia tentava retirar os manifestantes que ocupavam uma passagem subterrânea localizada perto da sede do governo local, onde se têm concentrado as manifestações mais participadas. Desde o início da semana que as autoridades policiais têm retirado algumas barreiras para facilitar o fluxo do trânsito, mas foi sempre dada a garantia de que não se tratava de uma tentativa de desmobilizar os protestos à força.

Esta foi a noite mais violenta desde que, logo nos primeiros dias do protesto, no final de Setembro, a polícia tentou dispersar milhares de manifestantes recorrendo à utilização de gás pimenta e lacrimogénio. Desde então, a estratégia das autoridades tinha privilegiado a contenção, com o objectivo de não alimentar o protesto.

A violência exercida sobre o homem, que já se encontrava detido e que foi identificado como um militante do Partido Cívico (pró-democrático), foi altamente criticada pelos grupos de manifestantes, que denunciaram o “abuso de poder” das autoridades. A própria polícia de Hong Kong reconheceu o excesso dos seus agentes, que foram “removidos temporariamente das suas funções”, revelou o ministro da Segurança, Lai Tung-kwok. Horas mais tarde, a vítima, Ken Tsang, apareceu em público depois de ter sido libertado para mostrar as feridas aos manifestantes e anunciar que vai mover uma queixa contra os agentes que o agrediram.

Segundo a versão das autoridades, o incidente ocorreu depois de a polícia “ter dado repetidamente avisos e conselhos” aos manifestantes antes de avançar para a remoção dos obstáculos na estrada. O porta-voz da polícia, Hui Chun-tak, explicou que os manifestantes “avançaram de forma agressiva, pontapeando os agentes, atacando-os com guarda-chuvas e atiraram com barreiras de protecção”.

Diálogo “mediado”

Depois da recusa de iniciar um processo de diálogo na semana passada, o governo local abriu caminho a novas conversações. A garantia foi dada pelo secretário dos Assuntos Constitucionais e Continentais, Raymond Tam, durante uma sessão na câmara legislativa, em que revelou que o executivo irá fazer contactos com os manifestantes “através de um respeitado mediador”. O presidente da Federação de Estudantes, Joshua Wong, disse horas mais tarde que os manifestantes nunca fecharam a porta ao diálogo, mas criticou a ideia avançada pelo executivo: “Se o governo é sincero em querer dialogo connosco, então não precisam de fazer passar a mensagem por nenhum mediador.”

Na mesma sessão, os deputados da oposição criticaram a acção da polícia, dizendo que “o estado de direito de Hong Kong foi totalmente destruído”. “A polícia de Hong Kong enlouqueceu hoje [quarta-feira], conduzindo as suas punições em privado”, disse o deputado Lee Cheuk-yan.

O Partido Democrático revelou que pretende enviar uma delegação à reunião do Comité de Direitos Humanos da ONU nesta quinta-feira em Genebra para que seja abordada a reforma eleitoral proposta por Pequim. O governo chinês aprovou em Agosto uma reforma que permite que todos os eleitores de Hong Kong possam escolher o seu chefe do governo nas próximas eleições, em 2017. No entanto, apenas os candidatos aprovados por um comité próximo de Pequim podem apresentar-se às eleições – algo que é contestado pelos sectores pró-democratas. A demissão do muito contestado chefe do governo local, Leung Chung-ying, é outra das exigências dos manifestantes.

O acesso ao site da BBC foi bloqueado em todo o território chinês, sem que tivesse sido dada qualquer explicação, num acto denunciado pela estação pública britânica como “censura deliberada”. Num encontro com meios de comunicação estrangeiros em Hong Kong, um responsável do governo chinês – que não foi identificado – apelou à cobertura dos protestos “de forma objectiva”. “Notei que os media, a maior parte, tem tentado realizar uma cobertura equilibrada e objectiva. Espero que continuem e mantenham este ímpeto”, disse o responsável, citado pela Reuters.

O sector pró-governamental ganhou um reforço de peso esta quarta-feira em Li Ka-shing, o empresário de Hong Kong que é o homem mais rico da Ásia. O presidente da empresa Cheung Kong apelou aos manifestantes para “voltarem para as suas famílias”.

“Apelo a todos para não se agitarem. Apelo a todos para não deixarem que a paixão de hoje se torne no arrependimento de amanhã”, disse Li, através de um comunicado citado pela Reuters. O empresário octogenário defendeu o modelo “um país, dois sistemas”, que considera responsável por ter protegido “o estilo de vida de Hong Kong”, desde que passou para a administração chinesa, em 1997. A fórmula “um país, dois sistemas” garante uma certa autonomia ao território, assim como um conjunto de liberdades, tais como a imprensa livre, em contraponto com o que é admitido no resto da China.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários