Um vídeo que conta a história de duas campanhas

Depois da derrota nas primárias de 2008, Hillary Clinton tenta afastar a imagem de uma candidata que tem a vitória no bolso.

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Hillary Clinton formalizou a sua candidatura no domingo DR

A notícia da candidatura de Hillary Clinton à Casa Branca era um segredo tão bem guardado como os primeiros episódios da 5.ª temporada da série "A Guerra dos Tronos", mas se o anúncio em si não foi uma surpresa, o conteúdo da mensagem apanhou muita gente desprevenida.

Num vídeo com dois minutos e 18 segundos, Clinton recua para segundo plano e surge apenas na parte final, não como "a escolhida", com um direito divino a ocupar a Presidência dos EUA, mas como uma cidadã comum, que tem um plano para o bem-estar colectivo: ajudar os seus compatriotas a realizar os seus próprios planos.

E os seus compatriotas estão lá quase todos representados, cada um com uma história de desafio pessoal, preparados para lutar e vencer: os dois irmãos hispânicos que estão a abrir um restaurante (e que não falam em inglês); a jovem mãe que cuidou do filho durante cinco anos e está agora preparada para voltar a trabalhar fora de casa; o casal de negros que aguarda o nascimento do seu primeiro bebé; a asiática recém-licenciada que tenta dar os primeiros passos no mercado de trabalho; o casal gay que vai casar-se este Verão; e Hillary Clinton, que também está preparada para uma mudança na sua vida: "Candidatei-me à Presidência."

Ouvir as palavras de Clinton no vídeo divulgado no domingo é como espreitar pelo buraco da fechadura da sua campanha, para se ter uma ideia da mensagem principal. De acordo com os seus conselheiros, citados pelo The New York Times, a aposta mais segura contra as investidas do Partido Republicano não é distanciar-se de Barack Obama, mas prometer "um novo capítulo" para potenciar as vitórias do actual Presidente – se Obama conseguiu consertar a economia, Clinton vai encurtar as diferenças que ainda existem entre ricos e pobres.

Depois do falhanço da primeira candidatura nas primárias do Partido Democrata, em 2008, contra um senador do Illinois transformado em fiel depositário de todos os sonhos americanos, Hillary Clinton começou este segundo teste de uma forma radicalmente diferente – compreendeu que nada na política é inevitável e garantido, e aparece agora, em 2015, com a postura de quem olha para a Casa Branca como um meio e não como um fim.

"É um reflexo do que os seus conselheiros têm dito nos últimos meses: ela não vai dar como adquirida a nomeação do Partido Democrata, apesar de ter uma vantagem de cerca de 50 pontos percentuais nas sondagens. Também era favorita há oito anos, e foi surpreendida pelo então senador Barack Obama", escreve no The Wall Street Journal a repórter Laura Meckler, especialista em política norte-americana.

Compare-se esta análise com o primeiro parágrafo de um texto assinado em Maio de 2008 pelo antigo director-adjunto do The Washington Post, Eugene Robinson: "Desde o início, Hillary Clinton tem feito campanha como se a nomeação pelo Partido Democrata fosse dela por direito divino. É por isso que tem ficado aquém das expectativas – e é por isso que deveria ser persuadida a desistir agora, antes de dividir o partido por uma questão racial devido ao seu sentimento majestático de que tem esse direito [a ser nomeada pelo Partido Democrata]."

Nessa época, quando se sentou num sofá da sua mansão em Chappaqua para anunciar que iria lutar pela nomeação do Partido Democrata, o resultado foi um vídeo mau de mais – confrangedor quando comparado com a máquina avassaladora em que se transformaria a campanha mediática de Barack Obama, especialmente junto dos eleitores mais jovens.

Enquanto o rapper e produtor musical conhecido como will.i.am punha estrelas como Scarlett Johansson ou John Legend a cantar "Yes We Can" em nome de Obama, Hillary Clinton confiava apenas no próprio rosto para convencer os eleitores de que era ela quem devia lutar contra o candidato do Partido Republicano nas eleições gerais.

Na gravação feita em Janeiro de 2007 – e ao contrário do vídeo lançado no domingo passado –, Hillary não se limitou a aparecer apenas no fim. Nem apenas no início. Ao todo, um minuto e 43 segundos preenchidos apenas com o seu rosto e as suas palavras. Do princípio ao fim, num vídeo captado com uma câmara incapaz de se manter imóvel por um segundo e que parecia estar montada numa ventoinha – como apontou Todd VanDerWerff, editor de Cultura do site Vox.

"O 'trailer da campanha presidencial' é um fenómeno relativamente recente. Basta olhar para o vídeo do anúncio de Clinton na campanha de 2008, que é impressionantemente mau", escreve VanDerWerff.

Pelo contrário, o vídeo da campanha para 2016 "é uma peça fascinante de realização de vídeo" – sem minimizar o seu papel na campanha, apresenta Hillary Clinton "como alguém que emana naturalmente de um movimento de massas".

"Neste vídeo, a campanha de Clinton não se baseia na história de uma candidata inevitável, indómita. Tenta mostrar a corrida de Clinton como uma ideia que ela teve há um par de meses, e para a qual tem juntado dinheiro. E, se resultar, poderá alterar a forma como este tipo de anúncios são abordados no futuro próximo", considera Todd VanDerWerff.

Se em 2007 e 2008 Hillary Clinton foi a candidata do "eu" ("Estou na corrida. E estou na corrida para ganhar"), a estratégia para 2015 e 2016 é surgir como a "champion" de todos os americanos, a sua defensora, a sua porta-voz: "Vou partir para a estrada para conquistar o direito a ter o vosso voto. Porque esta é a vossa hora, e espero que se juntem a mim nesta viagem."

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