Um documento de prenúncio de uma Igreja que não muda

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REUTERS/Max Rossi

Por imposição do Papa Francisco, o “relatio synodi”, que sintetiza a discussão que os bispos mantiveram sobre a família, no sínodo que decorre desde o dia 5 e que termina este domingo, foi votado ponto por ponto e a votação foi tornada pública.

Soube-se assim quais as questões que não receberam a necessária maioria qualificada de dois terços para serem incluídas no documento final, constituído por um total de 62 pontos. E estas prendem-se justamente com os pontos que mais polémica têm suscitado nos últimos dias: o acesso aos sacramentos por parte dos divorciados e recasados e o acolhimento dos homossexuais.

No ponto 52 do “relatio synodi” lê-se que o “eventual acesso” dos divorciados e recasados aos sacramentos deverá ser precedido “de um caminho penitencial” sob a responsabilidade do bispo diocesano. E propunha-se que a questão fosse aprofundada, tendo “bem presente a diferença entre uma situação objectiva de pecado e circunstâncias atenuantes”, dado que “a imputabilidade ou responsabilidade de uma acção pode ser diminuída ou mesmo anulada por diversos factores psicológicos ou sociais”. Este ponto foi o que mais votos contra somou: 74 ao todo, a que somaram 104 votos a favor.<_o3a_p>

O segundo parágrafo a ser “chumbado” no sínodo foi o imediatamente a seguir, o 53, e era basicamente uma variação sobre o mesmo tema, aludindo à possibilidade de acesso “frutuoso à comunhão espiritual” dos divorciados e novamente casados ou em co-habitação. Granjeou 64 votos contra, mais dois do que o ponto seguinte, referente aos homossexuais: “Algumas famílias vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com orientação homossexual. Neste sentido, temos questionado sobre qual é a pastoral apropriada para lidar com esta situação, atendendo ao que a Igreja ensina: ‘Não existe fundamento algum para equiparar ou estabelecer qualquer analogia, mesmo que remota, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o casamento e a família’. No entanto, os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e com delicadeza”, lê-se neste parágrafo, que conclui deverem ser evitados “quaisquer sinais de indiscriminação injusta” destas pessoas. 

Estes pontos – os restantes 59 foram aprovados por maioria absoluta – tinham sido os mais controversos no documento anterior, apresentado na segunda-feira, pelo cardeal Peter Erdö, presidente da Conferência Episcopal da Hungria e relator-geral do Sínodo.

 

Este tinha 57 pontos e a polémica estalou de imediato porque a relatio foi conhecida pela comunicação social antes de ter sido divulgada junto de quem participou nos trabalhos. Muitos não queriam sequer que o documento fosse divulgado. Levantaram-se diversas vozes para afirmarem que não se reviam naquele texto. As mesmas, contudo, que reconheceram que todos os temas tinham sido abordados e discutidos e que aquele tinha sido o documento aprovado por todos.

 

Foi em cima desse documento – sobre o qual a Santa Sé se viu a obrigação de esclarecer aquilo que já se sabia: aquele é um documento de trabalho –, que os circoli minori, dez grupos reunidos por idiomas – três de língua italiana, três de inglês, dois de espanhol e dois de língua francesa –, trabalharam durante a semana, de maneira a fazerem propostas para o documento final.

 

Mais tarde, uma palavra foi mudada na tradução inglesa do documento. Sobre os homossexuais, em vez de “welcoming home”, de acolher, surgiu “providing home”, quando a primeira era a mais correcta, já que o texto original em italiano
dizia “accogliere”. O que importa é o texto italiano, esclareceu o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, e o que se passou é que houve um grupo de língua inglesa que pediu a alteração, explicou.

Por fim, os textos dos dez grupos foram conhecidos e revelavam já um afastamento do primeiro.
 
A maioria dos circoli colocava a ênfase na família cristã, aquela que vive segundo o Evangelho, por vezes com sacrifícios, e revelava pouca abertura a que os divorciados possam comungar ou confessar-se; face às uniões de facto defendem a indissolubilidade do matrimónio e quanto aos homossexuais – ou pessoas com “tendências homossexuais”, como dizem dois relatórios – sublinham que o casamento é só para pessoas de sexos diferentes e que as crianças precisam de pai e mãe. Recorde-se que a relatio previa o acolhimento dos filhos que vivem nestas famílias.


Durante a semana, pela sala de imprensa do Vaticano passaram pessoas como o cardeal austríaco Schönborn que confessou ser filho de divorciados, para reafirmar situações reais, e disse conhecer um casal homossexual com uma relação “exemplar”; ou o cardeal alemão Reinhard Marx que, na sexta-feira, dizia que é preciso “encontrar uma linguagem diferente porque não se trata de branco ou preto, porque os problemas da humanidade são muito complexos”. No entanto, os relatórios que saíram dos seus grupos não são diferentes dos restantes.

Estes foram os documentos de trabalho que serviram para compor o texto aprovado no sábado. Agora, também este será de trabalho e servirá de ponto de partida para o novo Sínodo, no próximo ano.


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