Acordo sobre fluxo de refugiados entre a UE e a Turquia é "uma não solução"

Agências humanitárias arrasam proposta turca que agradou aos líderes da UE e que prevê uma troca de migrantes clandestinos por refugiados sírios.

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A proposta do primeiro-ministro turco agradou à chanceler alemã Virginia Mayo/AFP

O acordo de princípio alcançado entre a União Europeia e a Turquia, para o repatriamento de todos os refugiados que chegaram clandestinamente às ilhas gregas, não só viola os preceitos da lei internacional e humanitária, como pode condenar definitivamente as populações em risco e em fuga da guerra, da perseguição política ou religiosa e da pobreza extrema. Mas o alerta, em tom dramático, do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, de pouco deve valer. Tendo em conta o tom congratulatório com que vários líderes europeus saudaram o surpreendente compromisso alcançado em Bruxelas para “pôr fim à migração irregular para a Europa”, as incertezas jurídicas e os dilemas morais não deverão inviabilizar a solução encontrada para travar o fluxo migratório.

O acordo, anunciado de surpresa ao fim da noite, depois de mais de doze horas de conversações que pareciam inconclusivas, assenta num controverso programa de troca de refugiados, no âmbito do qual a Turquia aceita a deportação de todos os estrangeiros que partirem do país para o espaço europeu de forma ilegal, independentemente da sua origem ou estatuto legal: por cada migrante “devolvido” a território turco, a União Europeia acolherá um refugiado sírio “legítimo”, entre os 2,7 milhões que vivem nos campos turcos.

O “ambicioso” projecto atende aos desejos dos governantes europeus, interessados numa fórmula que permita travar as entradas e impedir a instalação de milhares de refugiados nos seus países, e responde às pretensões da Turquia, que aproveitou a abertura de Bruxelas para forçar a liberalização da entrada dos seus cidadãos no espaço Schengen já em Junho e para agilizar o seu processo de adesão à União Europeia.

Numa prova da sua boa-vontade, a Turquia aceitou aplicar o acordo retroactivamente e acolher os migrantes que já estão retidos nas ilhas gregas ou na fronteira de Idomeni, impedidos de passar para a Macedónia. A colaboração do Governo de Ancara tem um custo acrescido: pelo menos mais três mil milhões de euros, isto é, o dobro da verba inicialmente acordada entre Bruxelas e a Turquia. Mas mais do que dinheiro, a solução tem custos políticos para a União,  que até agora não conseguiu ultrapassar as divisões internas sobre o tratamento dos refugiados (ou sobre a entrada da Turquia no clube).

O acordo ainda não foi formalizado: os parceiros comprometeram-se a trabalhar estes “princípios gerais” e finalizar um documento definitivo para ser aprovado numa nova reunião de alto nível, dentro de nove dias. “Não posso deixar de expressar a minha profunda preocupação com qualquer acordo que implique transferências entre países sem as devidas salvaguardas de protecção de refugiados e o respeito pela legislação internacional”, reagiu imediatamente o Alto-comissário para os refugiados.

Peremptório, o director para a Europa da agência para os refugiados da ONU disse em Genebra que “a expulsão colectiva de estrangeiros é proibida pela convenção europeia dos direitos humanos”. Organizações como a Amnistia Internacional ou a Human Rights Watch (HRW), “destruíram” o novo plano, que nas leituras mais benevolentes foi descrito como impraticável e irrealista, e nas críticas mais contundentes foi atacado como desumano e ilegal. “É uma não solução, uma vez que não resolve problema nenhum”, resumiram os Médicos Sem Fronteiras.

“Penso que nunca se bateu tão fundo durante os 18 meses de confusões e trapalhadas dos líderes europeus nas suas tentativas de responder ao fluxo de refugiados e migrantes. Finalmente tornou-se claro o desespero dos europeus, que para conter a crise estão dispostos a ignorar completamente os direitos mais elementares”, censurou a responsável da HRW, Judith Sunderland, entrevistada pela NBC News. “Este plano é absolutamente incompatível com as obrigações da União Europeia, e não consigo imaginar como esta ideia de troca de refugiados será posta em prática”, acrescentou.

Em comunicado, a Amnistia Internacional perguntava como era possível que os chefes de Estado e de governo, na Europa e na Turquia, estivessem dispostos a regatear “os direitos e a dignidade de algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo”. “Esta ideia peregrina de trocar refugiados é perigosamente desumana e não oferece nenhuma solução sustentável de longo prazo para a crise humanitária”, contesta.

A defesa do acordo foi feita pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que desmentiu que a deportação de refugiados para a Turquia seja ilegal ou viole a convenção de Genebra, uma vez que o país foi classificado como “seguro” pela comunidade internacional. Tal como o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, a chanceler alemã Angela Merkel ou, o presidente da Comissão insistiu que a prioridade, perante a situação actual, é resolver o drama humanitário e a “tragédia” em curso no mar Egeu, retirando o poder às redes de contrabando que exploram o modelo de negócio das passagens clandestinas. “A partir daqui, fica claro que a única forma viável de chegar à Europa é através dos canais legais”, frisou Juncker.

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