Tribunal dissolve Parlamento líbio que foi reconhecido internacionalmente

Decisão legitima a assembleia anterior às legislativas de Junho e aumenta a incerteza num país que vive já em clima de pré-guerra civil.

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Festejos em Trípoli após a decisão do Supremo Ismail Zitouny/Reuters

O Supremo Tribunal da Líbia invalidou as eleições realizadas em Junho, dissolvendo o Parlamento reconhecido internacionalmente e que, por razões de segurança, está sediado em Tobruk, cidade no extremo leste do país. A decisão agrava a incerteza num país que vive já em clima de pré-guerra civil, com a capital nas mãos de uma coligação de milícias, dois governos que reivindicam legitimidade e combates intensos pelo controlo de cidades e recursos.

“Os deputados não vão reconhecer um veredicto proferido sob a ameaça das armas”, escreveu no Facebook Issam al-Jehani, um dos membros do Parlamento saídos das legislativas, realizadas com o apoio das Nações Unidas, numa tentativa para ultrapassar o caos instalado no país, onde os grupos armados que em 2011 derrubaram Muammar Khadafi continuam a ser reis e senhores.

A assembleia é dominada por deputados das tendências secular e federalista, enquanto o Congresso Nacional, eleito após o derrube de Khadafi, era controlado por deputados do bloco islamista. Estes nunca aceitaram o resultado das legislativas de 25 de Junho – pouco participadas e que não chegaram a realizar-se em várias cidades por causa dos combates – e, dois meses mais tarde, uma coligação de milícias que lhes são próximas, liderada pelo poderoso grupo de Misurata, apoderou-se de Trípoli. O Congresso Nacional voltou a ser convocado e foi nomeado um governo, alternativo ao encabeçado por Abdullah al-Thinni, o único reconhecido internacionalmente.

O Supremo, uma das instituições que permaneceram em Trípoli, pronunciou-se no seguimento de um recurso apresentado por um deputado islamista, que acusava a nova assembleia de ter violado a Constituição ao mudar-se para Tobruk, cidade colada à fronteira com o Egipto, e questionava a legalidade de uma moção por ela aprovada pedindo uma intervenção militar estrangeira no país. Mas, para surpresa, os juízes pronunciaram-se também sobre a lei que abriu caminho às eleições e, ao declará-la inconstitucional, retiraram legitimidade ao novo Parlamento.

A decisão, recebida com buzinadelas de apoio nas ruas de Trípoli, dificulta as tentativas de mediação lideradas pelas Nações Unidas e os cálculos dos países ocidentais que reconheceram o Governo saído das eleições e que têm importantes investimentos no sector petrolífero do país. Em declarações à AFP, o analista líbio Fraj Najm afirma que a decisão do Supremo “legitima” o Congresso cessante, mesmo que o seu mandato tenha já formalmente expirado. E apesar da previsível recusa das autoridades sediadas em Tobruk em acatar a decisão, o governo de Al-Thinni tem pouco ou nenhum controlo sobre as três maiores cidades do país, sublinha a Al-Jazira.

A decisão foi conhecida um dia depois de a extracção de crude no campo de El-Sharara, a unidade mais produtiva da líbia, ter sido suspensa na sequência de um ataque armado. Não é claro quem atacou a instalação, mas sabe-se que a zona tem sido palco de confrontos entre tribos rivais, e as autoridades disseram querer resolver o conflito antes de retomar a laboração – em El-Sharara são extraídos 200 mil dos 800 mil barris diários que a Líbia estava actualmente a produzir, adianta a Reuters.

Mas é em Bengasi, a grande cidade do Leste, que a situação mais se abeira da guerra civil. A nova ofensiva lançada em Outubro pelo general Khalifa Hifter (aliado do governo instalado em Tobruk) para tomar a cidade aos grupos radicais islâmicos que agora a controlam deu lugar a uma batalha que já provocou mais de 200 mortos nas duas fileiras, e no fim-de-semana passado atingiu zonas residenciais.

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