Táxis, toca-toca e candongas: os heróis do asfalto na Guiné-Bissau

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Cada táxi que circula nas ruas de Bissau é uma peça de museu Sofia Branco/PUBLICO.PT

Táxis e toca-toca são os transportes colectivos mais comuns de Bissau. Para circular no país, se a distância for muito longe para ser feita a pé e se os bolsos tiverem a sorte de ter algumas moedas que possam dispensar, os guineenses encavalitam-se nas candongas. Estes são os heróis do asfalto na Guiné-Bissau, que diariamente se aventuram pelas estradas-feitas-buracos do país.

Circular nas ruas de Bissau é uma autêntica aventura. Os táxis, Mercedes azuis mais ou menos desfeitos, e os toca-toca, carrinhas tipo Hyace com tábuas corridas, serpenteiam por entre os buracos, não chocando uns com os outros por escassos milímetros e, diriam os guineenses, por obra e graça de um qualquer irã (divindade do animismo, religião tradicional do país) mais atento aos rebuliços do trânsito.

Andar em contramão é uma constante nas ruas da capital guineense, isto porque o que verdadeiramente move os condutores é a fuga às gigantescas crateras que as chuvas e a inacção humana deixaram nas vias. Um britânico que visitasse o país poderia até pensar que se conduz pela esquerda, tal é a apetência para a faixa contrária, nem sempre em melhores condições. Há alturas em que circulam quatro viaturas lado a lado na estrada, ultrapassando-se umas às outras para fugirem aos mesmos buracos.

Cada táxi que circula nas ruas de Bissau – e eles são aos milhares – é uma peça de museu. Actualmente, haveria quem dissesse que é “kitsch”. Mas é muito mais do que isso. É o exemplo máximo de que as coisas, na Guiné-Bissau, são para durar para além dos limites da razoável existência. Até porque não há dinheiro para arranjos e muito menos para substituições.

O colorido dos táxis ultrapassa em muito o azul da pintura. Está no seu interior, nas quase sempre inexistentes, porque arrancadas, maçanetas que fazem mover os vidros das janelas (como estavam assim ficaram), nos estofos-pele-de-tigre-vermelho-aveludado-castanho-amarelado (ele há-os para todos os gostos), rotos, sujos e desbotados, entranhados pelos cheiros dos milhares de passageiros que neles já ousaram sentar-se, no rádio que, quando não foi roubado, grita sons de África e lança as últimas notícias sobre o esperado (e demorado) Governo do país.

O próprio taxista é uma figura “sui generis”. Invariavelmente do sexo masculino, é normalmente jovem, usa frequentemente boné e pode seguir num banco tão descaído que é como se conduzisse no lugar do passageiro de trás, fazendo com que o cliente questione (introspectivamente, porque aqui as perguntas guardam-se, para evitar um desperdício desnecessário de energia) se ele verá, de facto, a estrada. Se calhar nem precisa, deve tratar por tu todos os buracos. Após muitas viagens, o PUBLICO.PT encontrou um taxista que já estava farto dos seus conhecidos buracos e que, cada vez que conseguia passar mais um, resmungava contra o anterior Governo, que “não fez nada” para reconstruir os caminhos.

À semelhança de muitos outros países, na Guiné-Bissau, os táxis são verdadeiros transportes colectivos. Os lugares vagos podem ser ocupados por gente totalmente desconhecida do primeiro cliente. Uns minutos na estrada e parecem já grandes amigos, tal a “intimidade” com que se tocam e roçam de cada vez – que é constantemente – que o carro dá um solavanco. Esta proximidade é ainda maior num toca-toca – aliás, o próprio nome vem do facto de as pessoas estarem constantemente a tocar-se. Nos toca-toca, a entrada só é vedada a um cliente quando os rabos dos outros passageiros já saem pelas janelas e quando alguns rapazes já vão de pendura nas portas de trás da carrinha, pé dentro, pé fora. Até que isso aconteça, pode entrar, sem saber, no entanto, se vai conseguir sair.

Este transporte é o mais barato: uma viagem custa 100 francos CFA (pouco mais de 15 cêntimos). Mesmo assim, são muitos os que se deslocam a pé pela capital. Se passarmos para o Interior do país, o número de pessoas a circularem sob um calor fortíssimo em estradas quase sem sombras e carregadas com bebés e produtos para venderem no mercado mais próximo é ainda mais elevado.

Mais engraçado ainda: antes de se entrar num táxi, tem que se dizer ao condutor para onde se pretende ir, podendo este recusar-se a levar aquele passageiro, quer seja porque já leva outros que vão para outro sítio totalmente diferente, quer seja por achar que lhe fica totalmente fora de mão, quer seja porque não lhe apetece ir para determinado sítio (esta opção é cada vez menos frequente, principalmente se o cliente for “branco”, dada a generalizada falta de dinheiro). Não há taxímetros e as viagens têm um preço fixo, consoante a distância. Os toca-toca, carrinhas tipo Hyace, amarelas com riscas azuis, indicam a zona por onde circulam: Bairro Militar, Quelelé, Aeroporto.

Um percurso de táxi no centro de Bissau (com uma extensão de um ou dois quilómetros) custa 150 francos CFA por pessoa (25 cêntimos). Se entrarem dois passageiros que vão para o mesmo sítio, há um desconto e o preço desce para 250 francos CFA (40 cêntimos). Mas, mesmo assim, este dinheiro nunca é garantido. Muitas vezes “as pessoas não têm como pagar e dão o que podem”, contava há dias um taxista, dizendo que a situação piora de dia para dia e que já ficou “dois a três meses sem receber”. E não se queixou ao patrão? “Quem se queixa é substituído por outro”. Os condutores dos táxis não são os proprietários das viaturas, que têm que ter licença emitida pela Direcção-Geral de Viação para circularem.

Mas os táxis, cujos motores entram pelas casas adentro com os mais variados sons, têm ainda outra utilidade. Durante a noite, são os únicos a iluminarem a via pública. As pessoas circulam na estrada para, através dos faróis, descortinarem os percalços do caminho a percorrer. Andar nos táxis de noite é que é impróprio para cardíacos, pois os transeuntes que circulam nas estradas são invisíveis a olho nu e os cães parecem ainda mais imobilizados do que durante o dia. E os buracos continuam nos mesmos sítios.

Para sair ou entrar em Bissau, com destino às principais cidades, como Bafatá ou Gabú (Nordeste), os guineenses usam um meio de transporte ao qual chamam candonga. É uma carrinha semelhante ao toca-toca, mas com licença para passar os inúmeros postos de controlo espalhados pelo país. Se for em carro particular, poderá ter a sorte de ter apenas de abrandar antes de seguir caminho. Mas as candongas param sempre junto ao homenzinho que, à sombra de uma árvore, segura uma corda presa ao tronco de uma outra árvore, do outro lado da estrada. Os passageiros são obrigados a sair para voltarem a entrar, do outro lado da corda.

Com capacidade para 15 pessoas sentadas (podem chegar a ir outras tantas de pé), a candonga não faz distinção entre pessoas e animais e leva tudo. Galinhas cacarejam no chão. Sacos acumulam-se no tejadilho, num equilíbrio precário. Algumas candongas param na estrada, por avaria.

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