Samba da Guiné Equatorial agita Carnaval do Rio

Ditador Teodoro Obiang terá oferecido três milhões de euros à escola Beija-Flor, que vai dedicar um samba ao país africano.

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Imagens de um ensaio da Beija-Flor, com as t-shirts alusivas à Guiné Equatorial DR
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Imagens do carro da Beija-Flor Vanderlei Almeida/AFP
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Vanderlei Almeida/AFP

O Carnaval moderno no Rio de Janeiro nasceu ligado ao "jogo do bicho" (apostas ilegais), a ponto de um dia o escritor Nelson Motta ter afirmado, segundo a revista Exame Brasil, que “a tradição do Carnaval diz que o dinheiro não tem cor, nem origem, nem bandeira. As pessoas fazem vista grossa”. Mesmo assim, a polémica está instalada por estes dias no Rio de Janeiro, depois de o jornal O Globo ter noticiado que o ditador Teodoro Obiang, Presidente da Guiné Equatorial, pagou dez milhões de reais (cerca de três milhões de euros) à escola de samba Beija-Flor.

Campeã por 12 vezes, a escola Beija-Flor montou um desfile dedicado a este pequeno país africano, que há 35 anos é governado pelo ditador Teodoro Obiang e que é notícia no mundo pela riqueza gerada pelo petróleo e pelas constantes violações dos direitos humanos.

O tema oficial da escola de samba no Carnaval 2015 é “um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial”. Membros da escola viajaram até à Guiné para recolher informação para o espectáculo, que, segundo O Globo, deverá ser presenciado na segunda-feira, ao vivo, pelo ditador. O jornal escreve que Obiang e o filho Teodorin há pelo menos dez anos que assistem discretamente ao Carnaval no Rio de Janeiro, alojando-se num luxuoso apartamento em Ipanema ou na suite mais cara do Copacabana Palace.

A letra do samba tem referências directas ao país africano. “Nego canta, nego clama liberdade/Sinfonia das marés saudade/Um africano rei que não perdeu a fé/Era meu irmão, filho da Guiné”, lê-se no refrão. Outra passagem da letra diz: “A chama da igualdade não se apaga/Olha a morena na roda e vem sambar/Na ginga do balelé, cores no ar/Dessa mistura, eu faço o carnaval/canta Guiné Equatorial”. A menção completa ao país terá sido uma exigência de Obiang, já que inicialmente esta passagem falava apenas de Guiné.
 
A ligação da Beija-Flor à Guiné Equatorial gerou de imediato polémica no Brasil. “É um dinheiro que traz a interrogação de ter vindo com sangue. A simples dúvida já seria mais do que suficiente para recusar. Mas não é da tradição das escolas, até pela origem da direcção delas, os condenados bicheiros”, criticou a juíza Denise Frossard, em declarações ao Globo.

Este patrocínio de Obiang foi desmentido ao Guardian por uma porta-voz da escola de samba (falando apenas de “apoio cultural e artístico” do país africano), mas um comunicado oficial no Facebook da Beija-Flor dá a entender que, de facto, a Guiné Equatorial financia o desfile. “De acordo com a juíza Denise Frossard, o dinheiro do patrocínio para o desfile de 2015 é 'sujo'. Será que esse dinheiro tem a cor diferente do que foi investido para aproximação entre os países em 2005?”, questiona o comunicado assinado pelos responsáveis da escola de samba.

A escola justifica a escolha do tema como uma homenagem à “capacidade que os povos africanos tiveram para defender suas raízes em condições adversas”, algo que, diz, está também na “identidade cultural, social e económica” do Brasil.

A porta-voz da Beija-Flor acrescentou ainda ao Guardian que o samba deste ano pretende celebrar “a arte e a força do povo da Guiné Equatorial, bem como a transformação dos lucros dos recursos naturais em melhorias para a população”.

Algo que, no entanto, está longe de ser a marca da Guiné Equatorial. O relatório de 2014 da Human Rights Watch aponta que “vastos recursos de petróleo financiam um estilo de vida luxuoso de uma pequena elite que rodeia o Presidente, enquanto uma grande parte da população continua a viver na pobreza”. O mesmo documento conclui que a “corrupção, a pobreza e a repressão” continuam a marcar a vida do país.

Esta organização não-governamental lembra ainda que a Guiné Equatorial (país com 700 mil habitantes) é o terceiro maior produtor de petróleo da África subsariana, algo que lhe permite ter um PIB per capita de 32,026 dólares, o mais alto de África. No entanto, no índice de desenvolvimento humano, o país liderado por Obiang desde 1979 é apenas o 136.º entre 187 países, sabendo-se que cerca de metade da população não tem água potável, nem saneamento básico.

O historial de repressão e de violação dos direitos humanos também já deu polémica em Julho do ano passado, quando a Guiné Equatorial se tornou membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

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