A Nigéria venceu apenas uma das batalhas contra o ébola

O país mais populoso de África conseguiu ficar livre da epidemia, mas a verdadeira preocupação permanece nos países mais afectados. UE aprovou ajuda de 500 milhões de euros.

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Nigéria tornou-se no segundo país africano a travar a propagação Carl de Souza / AFP

“A última coisa que alguém no mundo quer ouvir são estas duas palavras na mesma frase: ‘ébola’ e ‘Lagos’.” A constatação é do cônsul norte-americano na Nigéria, Jeffrey Hawkins, e foi feita logo após ter sido confirmado o primeiro caso de ébola no país, em Julho. Esta segunda-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o país mais populoso de África, com 173 milhões de habitantes, ficou livre da epidemia. Agora, a prioridade é aprender com o trabalho da Nigéria e assegurar que aquelas duas palavras não se juntem outra vez.

O anúncio da OMS foi feito depois de ter sido concluído o período de 42 dias – equivalente ao intervalo de duas incubações do ébola – sem que tivessem sido reportados novos casos. A notícia foi recebida com entusiasmo e a própria OMS descreveu a Nigéria como “uma história de sucesso”. No entanto, a luta contra o vírus que já matou mais de 4500 pessoas está longe de estar terminada.

Na Nigéria tudo começou a 20 de Julho, quando Patrick Sawyer, um diplomata com dupla nacionalidade norte-americana e liberiana, aterrou no aeroporto internacional de Lagos. Sawyer tinha chegado a estar hospitalizado na capital da Libéria, Monrovia, mas contrariou os conselhos médicos e viajou para a Nigéria, através do Togo. No aeroporto da principal cidade nigeriana, Sawyer desmaiou e deu entrada de imediato num hospital. Três dias passaram até lhe ser diagnosticada a febre hemorrágica.

A chegada de uma doença com um alto nível de contágio a uma cidade com 21 milhões de habitantes – praticamente a população combinada da Serra Leoa, Guiné-Conacri e Libéria – exigia uma resposta rápida e essa foi a chave para conter o ébola no país. O desastre parecia iminente. “A população densa e as infraestruturas sobrecarregadas criam um ambiente onde as doenças são facilmente transmissíveis e onde essa transmissão é sustentada”, lia-se num relatório de 3 de Outubro do Centro de Doenças dos EUA.

Depois do diagnóstico, a prioridade foi reproduzir os passos dados por Sawyer para calcular e identificar possíveis contágios, isto é, todas as pessoas que pudessem ter estado em contacto com o infectado. A lista de potenciais alvos foi crescendo de forma exponencial. Onze dos membros da equipa médica que atendeu Sawyer foram contagiados e quatro acabaram mesmo por morrer. De uma lista inicial de 281 “contactos”, as autoridades ficaram com 898 pessoas para supervisionar.

O passo seguinte foi o de localizar os possíveis alvos de infecção da forma mais breve possível. Para este processo foi crucial a experiência no combate à poliomielite na Nigéria, que tem sido desenvolvido há já vários anos. “Um quadro de cem médicos nigerianos treinados em epidemiologia por especialistas internacionais, que ajudaram a acabar com a poliomielite em países como a Índia, fazem a espinha dorsal da equipa de resposta rápida a doenças”, explicou Oyewale Tomori, um virologista da Academia de Ciências Nigeriana, num artigo publicado pelo The Guardian.

Foi um grupo de 150 “rastreadores de contactos”, através da utilização de muitas das técnicas usadas no combate à poliomielite, que levou a cabo “um trabalho de detective epidemiológico de classe mundial”, como descreveu a OMS. Numa cidade como Lagos, “as casas nem sempre podem ser identificadas pelos números das ruas”, notou Folorunso Oludayo Fasina, especialista da Universidade de Pretória na África do Sul. Depois da localização, cada uma das 898 pessoas foi acompanhada ao longo de mais de 18 mil visitas presenciais em que se controlava o aparecimento de possíveis sintomas.

Apoio europeu

O trabalho das autoridades nigerianas limitou ao máximo a propagação do ébola: entre os 19 casos de infecção, apenas oito foram fatais. Um quadro bastante diferente dos três países da África ocidental mais atingidos pelo vírus – Libéria, Guiné-Conacri e Serra Leoa – onde já morreram mais de 4500 pessoas, segundo a OMS.

Nestes três países, o nível de expansão da epidemia impossibilita que se siga um plano semelhante ao da Nigéria, onde o foco inicial foi rapidamente detectado. “Para se lidar com o surto incontrolado será necessário construir muitas infraestruturas, equipas, recursos e dinheiro”, disse à Scientific American Art Reingold, chefe do departamento de epidemiologia da Universidade da Califórnia. “Quanto mais tempo demorar a chegar, mais difícil será o trabalho”, acrescentou.

É com essa preocupação em mente que os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia se reuniram esta segunda-feira no Luxemburgo, onde anunciaram “um esforço unido, concertado e renovado” para conter o ébola. Os 28 concordaram em enviar 500 milhões de euros para os países mais afectados, apesar de o Reino Unido ter insistido num aumento para mil milhões. A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, sublinhou que o ébola “não é um problema confinado a apenas uma parte do planeta”, não devendo ser subvalorizado. Até ao fim desta semana, Bruxelas irá nomear um coordenador europeu para o ébola, à semelhança do que já foi feito por Washington.

As preocupações das ONG que actuam na África ocidental também foram ouvidas pela UE que se comprometeu a garantir um regime de “evacuação médica” para os funcionários internacionais – um dos grupos que tem sido mais afectado pelo vírus.

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