Argentinos exigem investigação à morte de procurador que acusou Kirchner

Alberto Nisman tinha acusado o Governo argentino de tentar inocentar responsáveis iranianos pelo atentado contra uma associação judaica em 1994 que matou 85 pessoas.

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Alberto Nisman investigava o atentado à AMIA desde 2004 Marcos Brindicci / Reuters

Milhares de argentinos manifestaram-se na noite de segunda-feira em Buenos AIres, a capital argentina, exigindo uma investigação rigorosa à morte do procurador responsável pela investigação ao atentado bombista sobre a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em 1994. Alberto Nisman, que dias antes acusara a Presidente, Cristina Kirchner, de ter encoberto a responsabilidade do Irão no ataque que matou 85 pessoas, foi encontrado morto em sua casa de madrugada.

Foi em circunstâncias muito misteriosas que a polícia de Buenos Aires encontrou Nisman, de 51 anos, no seu apartamento no bairro de Puerto Madero. O corpo do procurador – que dispunha de protecção policial – estava na banheira com um disparo na cabeça e uma arma de pequeno calibre ao seu lado, segundo o jornal diário Clarín.

Os primeiros indícios aparentam tratar-se de “suicídio”, disse ao mesmo jornal o juiz Manuel De Campos, embora provavelmente a causa da morte só venha a ser conhecida de forma oficial nos próximos dias. A família de Nisman tentava contactá-lo desde a tarde de domingo, apurou o La Nación.

Depois de ter estado no apartamento de Nisman, o secretário de Estado da Segurança, Sergio Berni, sublinhou que “as perícias são fundamentais” para apurar as causas da morte do procurador. Porém, deixou a ideia de que a tese do suicídio é a mais provável. “Em criminalística, quando se tem um corpo, uma bala e uma arma, as coisas encaminham-se para um lado. É preciso esperar que a justiça o confirme”, disse à rádio América.

A líder do partido da oposição Coligação Cívica, Elisa Carrió, disse que a morte de Nisman era algo de “previsível”. “Quando se sabe aquilo que não vem à luz, como se lida com o poder, como se gerem os serviços [secretos], como se dirige a polícia e como se dirige o Governo desde [Néstor] Kirchner até hoje sabe-se que isto podia suceder”, afirmou a deputada oposicionista ao canal TN.

Acusação a Kirchner

Foi a 18 de Julho de 1994 que um carro armadilhado explodiu perto da sede da AMIA, causando a morte a 85 pessoas, naquele que foi o mais grave atentado terrorista em solo argentino. As investigações apontaram para o envolvimento do grupo terrorista Hezbollah, com o apoio do Governo de Teerão, mas duas décadas depois ninguém foi responsabilizado.

Desde 2004 que Nisman foi apontado pelo então Presidente, Néstor Kirchner, para liderar as investigações. As relações entre o Irão e a Argentina degradaram-se, sobretudo pela recusa contínua de Teerão em extraditar os acusados pelo atentado, que incluem um antigo adido diplomático iraniano e um ex-ministro. Em 2007, a Argentina denunciou o Irão na Assembleia-Geral da ONU pela falta de colaboração no caso.

O Governo de Cristina Kirchner instituiu em 2013 uma comissão de inquérito, depois de ter garantido um acordo com o Irão, sem o conhecimento de Nisman que ainda liderava as investigações.

Na quarta-feira, o procurador acusou Kirchner e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Héctor Timerman – de raízes judaicas –, de terem tomado a “decisão criminal de fabricar a inocência do Irão para salvaguardar os interesses comerciais, políticos e geopolíticos da Argentina”. Nisman pediu igualmente a um juiz que aprovasse o interrogatório de Kirchner e de Timerman.

O Governo israelita lamentou a morte de Nisman e instou a Argentina a continuar a fazer “todos os esforços para trazer à justiça os responsáveis pelo ataque terrorista”.

A acusação de Nisman era baseada em registos de escutas telefónicas, diz o El País, nos quais são aclarados alguns pormenores de um acordo secreto entre os dois países. De acordo com o procurador, as acusações sobre os responsáveis iranianos seriam gradualmente abandonadas, com o objectivo de normalizar as relações com o regime iraniano, próximo, por exemplo, da Venezuela, um dos mais importantes aliados de Buenos Aires.

O objectivo, do ponto de vista da Argentina, seria o de encontrar no Irão, que lida com fortes sanções económicas por causa do seu programa nuclear, um parceiro comercial através da exportação de cereais. Por seu turno, o Irão seria um fornecedor de petróleo a um preço mais acessível.

Depois de um período em que praticamente não houve relações comerciais entre os dois países – devido ao caso da AMIA – na última década, o Irão tornou-se num parceiro económico muito relevante para a Argentina. As exportações do país sul-americano alcançaram quase 1,5 mil milhões de dólares em 2010, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos.

As declarações de Nisman foram negadas pelo Executivo, embora Kirchner não tenha chegado a fazer-lhes referência. O chefe do seu gabinete, Jorge Capitanich, descreveu as acusações como algo “disparatado, absurdo, ilógico, irracional, ridículo e violador de artigos essenciais da Constituição Nacional”.

Esta segunda-feira, Nisman era esperado para testemunhar perante a Câmara dos Deputados para aclarar as suas denúncias contra o Governo de Kirchner. Alguns dias depois de ter revelado publicamente as acusações, o procurador, falando com o Clarín, chegou a prever o trágico desfecho: “Posso sair morto disto.”

Na sua página na Internet, a Presidente argentina lamentou a morte do procurador. Os manifestantes, que empunharam cartazes a dizer "Eu sou Nisman", apontam responsabilidades por esta morte à chefe de Estado - cercaram o palácio presidencial, oq ue levou á inetrvenção da polícia e quatro pessoas ficaram feridas por inalação de gás pimenta.

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