Pouco mais do que chá e simpatia

A aparente recusa da chanceler em mudar de rumo pode ter consequências mais graves do que as suas expectativas.

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1. Depois de receberem algumas palmadinhas nas costas e até uma gravata de seda, Alexis Tsipras e o seu ministro das Finanças regressaram a Atenas sem grande coisa para contar, a não ser algumas más notícias.

 Em Frankfurt, o ministro das Finanças grego foi informado de que o BCE não continuaria a financiar directamente a banca grega. Em Berlim, no último encontro de Yanis Varoufakis com o seu homólogo alemão, faltou a simpatia mas sobrou intransigência. Digamos que a retórica antialemã do novo Governo não terá ajudado. Wolfgang Schauble foi peremptório: não há mais dinheiro alemão para a Grécia e nem qualquer intenção de aceitar uma revisão dos seus compromissos. A própria decisão do BCE de cortar o financiamento directo à banca grega, que poderia ser vista como demasiado arriscada, foi imediatamente apoiada pelo Eliseu e por Roma como perfeitamente legítima. Tsipras e o seu ministro das Finanças mantiveram sempre um sorriso optimista nos lábios e adoptaram uma linguagem mais moderada, insistindo que não queriam entrar em conflito com os seus parceiros europeus. A ideia de fazer depender o pagamento da dívida do crescimento da economia até foi vista em alguns think-tanks europeus como uma ideia a explorar. O próprio BCE já fez saber através da imprensa alemã que a sua intenção não é secar a banca, convidando à corrida aos depósitos. O Banco Central da Grécia pode continuar a financiar os bancos gregos através do chamado ELA (Assistência de Liquidez de Emergência), num limite que, segundo as mesmas fontes, poderá ir até aos 60 mil milhões de euros, uma verba mais do que suficiente.

Mas a primeira conclusão a tirar deste périplo europeu é que o novo Governo grego avaliou com demasiado optimismo o novo clima que se vive hoje na Europa sobre a necessidade de virar da austeridade para o crescimento, até para que não haja mais Syrizas noutros países europeus. Esse clima existe em Paris, Bruxelas, Roma ou Madrid, e até em Frankfurt, mas não chega para levar os principais governos europeus a escolher a Grécia contra Berlim.

De regresso a Atenas e ao seu grupo parlamentar, Tsipras voltou ao discurso da “dignidade” e da “soberania” para garantir que o seu Governo não receberia ordens nem se deixaria chantagear de ninguém. Escreveu o Kathimerini, liberal: “Para além da simpatia e da compreensão, a Grécia não tem aliados sólidos contra Berlim, o Eurogrupo ou o BCE”.

2. Angela Merkel continua distante. Não quis receber Tsipras, remetendo um encontro para a cimeira de 12 de Fevereiro e limitando-se a dizer que tem estado em contacto com o Presidente francês e o chefe do Governo italiano. A sua atenção está concentrada num problema que considera muito mais sério: a escalada militar na Ucrânia. Partiu ontem com François Hollande para Kiev onde se vai encontrar com o Presidente ucraniano e com o secretário de Estado americano John Kerry. Partem hoje para Moscovo para confrontar Vladimir Putin com um novo plano para resolver o conflito. François Hollande escolheu palavras muito sérias para anunciar esta iniciativa, explicando que há uma guerra na Europa que ninguém pode ignorar. O Presidente francês não tenciona perder a oportunidade de uma aproximação a Merkel que os ataques terroristas em Paris propiciaram e que a questão da Ucrânia vem reforçar. Para o Eliseu vale mais (sempre valeu) uma liderança partilhada (mesmo que as partes sejam desiguais) com Berlim do que qualquer confronto para ajudar os gregos a saírem do atoleiro em que se encontram, mesmo que a responsabilidade da chanceler seja evidente. Hollande já terá dito mil vezes a Merkel que a austeridade alimenta a ascensão dos populismos e dos nacionalismos, como atesta a força cada vez maior de Marine Le Pen no seu próprio país. O Governo de Madrid mostrou-se ontem muito confiante em que a crise grega não afectará a Espanha, mesmo que deseje um entendimento rápido com Atenas. Também Mariano Rajoy vê crescer em Espanha um movimento idêntico ao Syriza e precisa de uma mudança de rumo para tentar conter os estragos.

3. Resta esperar pela cimeira do próximo dia 12. Aí se saberá se a chanceler tenciona encontrar uma solução de compromisso que permita ao Syriza salvar a face. Com os problemas internacionais que a Europa enfrenta, da Ucrânia à ameaça terrorista, passando pelo fraco crescimento e pela ameaça de deflação, seria este o momento adequado para rever as políticas de austeridade que, até agora, não conseguiram ter grande sucesso. Económico como político. Merkel assumiu a liderança da crise ucraniana, partilhando-a com Obama. Percebe o risco terrorista e a necessidade de combatê-lo em conjunto. Sempre disse que o que mais temia era o aparecimento de forças nacionalistas e xenófobas no seu próprio país, justificando assim a sua política europeia. Está a braços com elas. Não parece, no entanto, ser sensível ao facto de a Grécia se situar na confluência entre a Europa e uma zona de enorme turbulência, que incluiu a Turquia e que coloca desafios complicados também no domínio da segurança. Obama tem plena consciência dessa realidade que, somada ao nacionalismo agressivo da Rússia, ameaça directamente a segurança euro-atlântica. A aparente recusa da chanceler em mudar de rumo pode ter consequências mais graves do que as suas expectativas. Quanto a Atenas, o choque de realidade dos seus líderes devia aconselhar alguma prudência. Tsipras pode ter imenso carisma e Varoufakis ser um académico brilhante. A realidade é muito mais complicada. E os compromissos desaconselham posições extremas. Por enquanto, continua tudo em aberto. 

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