Obama falou de desigualdade, Papa lembrou direitos dos católicos à objecção de consciência

Encontro decorreu em ambiente formal, mas distendido. Obama convidou Francisco para visitar a Casa Branca

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Boa disposição antes e depois de um encontro de quase uma hora à porta fechada entre Obama e o Papa Kevin Lamarque/Reuters
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Obama chegou ao início da manhã ao Vaticano, que não poupou no cerimonial para receber a delegação americana, conduzida num formal e demorado cortejo pelos corredores do Palácio Apostólico. “Tão bom vê-lo”, disse Obama, enquanto cumprimentava Francisco, de quem se confessou “um grande admirador". “Bem-vindo, senhor Presidente”, respondeu o líder da Igreja católica, afável mas circunspecto, como sempre que recebe um líder estrangeiro.

A audiência, na presença apenas de dois tradutores, durou 52 minutos, bem mais do que o Papa destina habitualmente às audiências com os chefes de Estado, mesmo os que, ao contrário de Obama, são católicos, notou a AFP.

No final, num ambiente já mais distendido Obama ofereceu ao Papa sementes de frutos e vegetais da horta biológica da Casa Branca, convidando-o a visitar Washington. “Claro que sim”, respondeu o Papa, oferecendo em troca um exemplar encadernado de Evangeli Gaudium (A Alegria do Evangelho), a exortação em que traça as linhas do seu pontificado. “Vou lê-la na Sala Oval quando estiver profundamente frustrado e estou certo que me vai dar forças”, agradeceu Obama. “Assim, espero”, retorquiu Francisco, sorridente.

A deslocação ao Vaticano, seguida de encontros com o Presidente e o primeiro-ministro italianos, é um parêntesis na pesada agenda de Barack Obama na visita pela Europa, com a crise na Ucrânia em pano de fundo, e antes de partir para a Arábia Saudita, onde serão discutidas as negociações sobre o programa nuclear iraniano. Mas é também uma oportunidade para Obama “beneficiar da aura do novo Papa”, com taxas de popularidade muito alta um ano após a sua eleição, e restabelecer pontes com os católicos norte-americanos, que têm grande peso no voto democrata.

Obama tem entrado várias vezes em rota de colisão com os bispos americanos e com os católicos mais conservadores quando defende as leis de aborto ou se se mostra favorável ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. O último motivo de controvérsia é a reforma da saúde, que obriga os empregadores (incluindo escolas e hospitais católicos) a incluir nos seguros de saúde dos trabalhadores a cobertura das despesas com métodos de contracepção, tal como a pílula abortiva.

Um comunicado divulgado depois do encontro pelo Vaticano confirma que estes temas não foram esquecidos, ao referir que o Papa reafirmou a posição da Igreja sobre “questões particularmente importantes para a Igreja do país [EUA], como o exercício dos direitos da liberdade religiosa, da vida e da objecção de consciência”.

Sobre a luta contra as desigualdades, tema a que a Casa Branca quis dar prioridade, diz apenas que Obama reafirmou o seu compromisso com a luta contra as desigualdades sociais e que os dois líderes se mostraram de acordo “quanto a um compromisso comum para a erradicação do tráfico de seres humanos”.

Entendimentos e desacordos

Obama tem várias vezes elogiado as denúncias de Francisco sobre as desigualdades no mundo, que a Casa Branca vê como uma validação moral das políticas económicas do Presidente democrata. Em entrevista ao Corriere della Sera, o Presidente norte-americano voltou a elogiar a “grande autoridade moral” do Papa, alguém “cujo pensamento é precioso para compreender como se pode vencer o desafio da pobreza”.

Uma capacidade de influência que levou Francisco, em Setembro do ano passado, a liderar o coro dos que se opuseram a um ataque à Síria, em retaliação pelo ataque com armas químicas que matou centenas de pessoas nos subúrbios de Damasco. O Papa denunciou a acção como desumana, mas insistiu que o uso da força – que os Estados Unidos, com o apoio da França e do Reino Unido, chegaram a dar como iminente – apenas traria mais sofrimento. O inédito dia mundial de jejum e oração pela paz e a vigília que organizou no Vaticano foram vistos como um regresso da Santa Sé ao primeiro plano da diplomacia internacional, uma década depois de o então Papa João Paulo II se ter também oposto abertamente contra a invasão do Iraque.

 "A política de Obama agrada à Santa Sé?", questionava-se nesta quinta-feira a Radio do Vaticano, enquanto outros analistas concluem que, lá da cordialidade, é pouco provável uma repetição da aliança que juntou Ronald Reagan e João Paulo II na luta contra o comunismo na Europa. Até porque, apesar de a preocupação ser idêntica, os dois líderes discordam sobre os remédios para a desigualdade, com Obama a defender que a globalização pode ajudar milhões a sair da pobreza e o Papa a denunciar os abusos do capitalismo e o desprezo pelo valor do trabalho.

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