Papa pede franqueza e colaboração dos cardeais para a reforma da Cúria

Francisco afirmou que mudanças são essenciais para tornar o governo da Igreja mais eficaz e transparente.

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“A reforma não é um fim em si mesmo” ANDREAS SOLARO/AFP

O Papa desafiou nesta quinta-feira os cardeais reunidos no Vaticano a contribuírem de forma franca para a discussão sobre a reforma da Cúria romana, lembrando-lhes que no conclave que antecedeu a sua eleição, em 2013, houve consenso para a urgência de pôr fim aos escândalos e tornar mais transparente o governo da Igreja. Francisco fez da reforma uma das suas prioridades, mas as mudanças já iniciadas foram muitas vezes recebidas com críticas, quase sempre sussurradas ou a coberto de anonimato.

Ao todo, 227 prelados foram chamados a Roma para o consistório extraordinário que antecede a entrega, no sábado, dos barretes e anéis cardinalícios a 20 novos “purpurados”, entre eles Manuel Clemente, patriarca de Lisboa desde 2013, e Arlindo Gomes Furtado, bispo de Santiago de Cabo Verde, país que nunca antes tinha tido um cardeal. Por razões de saúde ou devido à idade avançada, muitos pediram escusa e na manhã desta quinta-feira foram apenas 160 os que Francisco recebeu no Vaticano, para o primeiro de dois dias dedicados a debater os planos de reforma da Cúria.

O consistório reúne-se à porta fechada, mas Francisco aproveitou o discurso de abertura – uma intervenção de apenas cinco minutos – para marcar o tom da reunião, realizada pouco mais de dois meses de uma já célebre audiência, em que denunciou com inesperada dureza as 15 “doenças espirituais” da Cúria, da ganância ao carreirismo e ao espírito de maledicência. “A reforma não é um fim em si mesmo”, afirmou, mas uma iniciativa destinada a criar “maior harmonia no trabalho entre os vários dicastérios [ministérios] e gabinetes, com vista a conseguir uma colaboração mais eficaz na transparência absoluta em que se funda a autêntica colegialidade”.

Maior eficácia e transparência são as palavras de ordem das reformas iniciadas por Francisco que, ainda antes de ter um plano definitivo para a reorganização da Cúria, avançou em algumas áreas consideradas prioritárias. Criou por motu próprio um secretariado para a Economia – um “superministério” encabeçado pelo cardeal australiano George Pell e que tem autoridade sobre todas as actividades financeiras do Vaticano – e um Conselho de oito cardeais e sete leigos que funciona como uma autoridade de supervisão. No mesmo impulso, o Papa aprovou uma profunda reforma do banco do Vaticano, manchado por décadas de escândalos e símbolo de opacidade financeira, e criou uma Comissão para a Protecção de Menores, grupo que junta também cardeais e leigos para dar corpo à promessa de “tolerância zero” com a pedofilia na Igreja.

Mas a grande reforma pela qual tantos clamavam depois dos escândalos e das notícias que terão desencadeado a inesperada renúncia, há quase dois anos, de Bento XVI está ainda na fase de debate. O G-9, como é conhecido o conselho de nove cardeais nomeados pelo Papa para o aconselhar nas reformas, esteve reunido pela sétima vez entre segunda e quarta-feira, mas o porta-voz do Vaticano assegurou no final dos trabalhos que não existe ainda um projecto final de alteração à Constituição Apostólica Pastor Bonus, promulgada por João Paulo II em 1988 e que criou a actual estrutura da Cúria.

Federico Lombardi admitiu, no entanto, que o cardeal Óscar Maradiaga, o coordenador do conselho, deveria abordar no consistório uma proposta há muito falada para a criação de duas novas congregações, uma unindo os conselhos pontifícios que se dedicam aos temas da família e da vida, a outra concentrando os assuntos da paz, pobreza e migrações. Na conferência de imprensa desta tarde, após o final do primeiro dia de consistório, Lombardi revelou que está também a ser ponderada a criação de um novo departamento dedicado às alterações climáticas.

Na intervenção de abertura, o Papa insistiu que as reformas, “fortemente defendidas pela maioria dos cardeais” nas reuniões que antecederam o conclave de 2013, são essenciais não só para tornar mais eficaz o governo da Igreja, mas também para “promover uma evangelização mais efectiva, um espírito ecuménico mais frutuoso e um diálogo mais construtivo com todos”. Objectivos que “exigem tempo, determinação e, acima de tudo, cooperação de todos”, afirmou, antes de exortar os cardeais ali presentes a aproveitarem os dois dias de reunião para expressarem as suas opiniões sem medos nem meias-palavras.  

É, no entanto, incerto quantos cardeais, conselheiros por excelência do Papa, estão tão ansiosos por uma reforma que, tudo indica, pretende reduzir a Cúria em tamanho e poder. Francisco já nomeou 31 dos actuais 125 cardeais eleitores (os que têm menos de 80 anos e poderão participar num futuro conclave), o que à partida engrossará o contingente dos que em 2013 pediam uma limpeza no Vaticano.

Mas o cardeal sul-africano Wilfrid Napier, um dos membros do Conselho para a Economia, revelou nesta semana que o organismo tem encontrado dentro da Cúria muitas resistências à mudança, sobretudo entre as maiores congregações, até agora pouco habituadas a terem de prestar contas das suas actividades. Questionado pelo Catholic News Service sobre as expectativas para este consistório, o arcebispo de Durban disse acreditar “que o Papa e a sua equipa são apoiados pela maioria dos cardeais”, mas “aqueles que mais gritaram por reformas” no último conclave mostram-se agora menos entusiásticos. “Uma coisa é dizer o que é preciso fazer, outra coisa é fazê-la”, afirmou.

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