Os esquecidos das listas eleitorais vivem nos bairros de lata de Argel

Nos subúrbios da capital argelina há dezenas de milhares de barracas. Mas os seus habitantes não se podem registar para votar.

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O bairro de lata de El Wiam, perto do centro de Argel Farouk Batiche/AFP

Em 62 anos, Laid nunca deixou de votar. Mas para poder participar nas eleições usa a morada do irmão – como todos os seus vizinhos deste bairro de lata de Argel, Laid não pode estar inscrito como eleitor.

“A câmara municipal não regista os habitantes dos bairros de lata nas listas eleitorais”, diz o homem de rosto enrugado e blusa branca.

Mais extraordinário ainda é que o presidente da câmara da capital, nomeado como todos os outros pelo chefe de Estado, ameaçou os habitantes dos bairros de lata: se não votarem nas presidenciais desta quinta-feira, não serão realojados. E há novos alojamentos sociais prontos a distribuir logo depois do escrutínio.

Os adversários do Presidente, Abdelaziz Bouteflika, candidato a um quarto mandato, denunciaram a “chantagem”, ao mesmo tempo que o Governo fez campanha com a crise da habitação, que diz querer resolver definitivamente durante o próximo mandato do Presidente candidato.

Desde que chegou ao poder, em 1999, Bouteflika lançou a construção de três milhões de habitações, dois terços das quais já foram entregues. Mas nos subúrbios de Argel sumptuosas villas de novos-ricos disputam ainda o espaço com barracas de chapa dos argelinos que não beneficiaram dos lucros do petróleo e gás natural que fizeram do seu país o mais rico do Sahel e do Norte de África.

“Argel, a branca”, cantada pelos poetas por causa das paredes brancas das suas casas, exibe uma cintura de bairros de lata horrendos com mais de 60 mil casas em ruínas. Aqui, há famílias obrigadas ao êxodo pelos massacres das campanhas durante a guerra civil dos anos 1990, que fez 200 mil mortos, e outros obrigados a deixar as suas casas exíguas ao ritmo dos bebés que foram tendo.

O subúrbio Ain-Naadda fica a apenas poucos minutos da sede da presidência e dos principais ministérios. Ao lado de edifícios feios e sem alma construídos nos anos 1980 cresceu de forma selvagem o bairro de lata El Wiam (A Concórdia), em referência à concórdia civil do programa de Bouteflika durante o seu primeiro mandato (1999-2004).

Visto de uma colina vizinha, o conjunto parece estar coberto por um só telhado, decorado de antenas parabólicas e de aparelhos de ar condicionado que não podem ser fixados nas paredes frágeis. Desde 2008 que a rede eléctrica chega às barracas. Antes, os habitantes faziam ligações arriscadas ou desviavam cabos a partir das casas dos seus vizinhos ricos.

Na maioria comerciantes, os residentes de El Wiam só têm um sonho: ver este bairro de lata demolido. Em barracas que não têm mais de 30 metros quadrados, apertam-se famílias de quatro a 11 membros em condições miseráveis que eles tentam dissimular com uma camada de pintura.

Alguns chegaram quando eram crianças. Cresceram, casaram-se, tiveram filhos. Foi o que aconteceu com Abdenour Zouaoui, de 25 anos, que tinha oito quando a mãe para aqui se mudou. Hoje, é pai de um filho que educa sozinho; a mãe já morreu.

Larbi, de 50 anos, nasceu em Casbah, a cidade velha de Argel, e foi realojado em 1988 com os 15 membros da sua família num apartamento de três divisões. Passados dez anos, abandonou essa casa com a mulher e com os filhos e ergueu uma barraca ali mesmo, ao lado.

“Não podia esperar mais tempo, os meus filhos cresceram. O mais velho tem 19 anos”, diz Larbi. “Espero abandonar este sofrimento o mais depressa possível para salvar os dois mais novos. Os quatro primeiros falharam na escola e sei que foi por causa destas condições de vida.”

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