Governo ucraniano supera o desafio no Parlamento, mas não o das ruas

Milhares voltaram à Praça da Independência após chumbo da moção de censura no Parlamento. Primeiro-ministro disponível para dialogar mas só se oposição levantar bloqueio à sede do Governo.

Fotogaleria
Deputados do Partido da Regiões (em cima) e da oposição (em baixo) no Parlamento ucraniano SERGEI SUPINSKY/AFP
Fotogaleria
Manifestantes e polícias enfrentaram-se junto ao Parlamento SERGEI SUPINSKY/AFP
Fotogaleria
A polícia formou uma forte barreira em torno do Parlamento SERGEI SUPINSKY/AFP
Fotogaleria
Manifestants continuam nas ruas de Kiev Stoyan Nenov/REUTERS
Fotogaleria
Primeiro-ministro Mikola Azarov (à direita) celebra a votação SERGEI SUPINSKY/AFP

O Governo ucraniano sobreviveu à moção de censura apresentada pela oposição no Parlamento, na mesma altura em que o Presidente Viktor Ianukovich viajava para a China em busca de investimento (ver pág. 29). Mas a crise política no país está longe de estar resolvida: aos manifestantes que teimam em não abandonar as ruas, somam-se cada vez mais vozes dissonantes na estrutura de poder.

"Estamos a estender-vos a mão, afastem os intriguistas, os que procuram o poder e querem repetir o cenário de 2004”, disse o primeiro-ministro ucraniano, no debate que antecedeu a votação e em que foi várias vezes interrompido pelos apupos da oposição. Na véspera, Mikola Azarov acusara a oposição de usar as manifestações contra a recusa de Ianukovich em assinar um acordo de associação com a UE para preparar “um golpe de Estado”. Mas nesta terça-feira aproveitou a ida ao Parlamento para pedir desculpas “em nome do Governo” pela carga policial que no sábado deixou mais de 30 manifestantes feridos.

Só que, tal como acontece nas ruas, a oposição não recua. “Quem de entre vós não apoiar a moção será também responsável pelo espancamento dos nossos jovens e pela destruição do sonho europeu”, avisou Arseni Iatseniuk, líder do Pátria, o partido fundado pela ex-primeira-ministra Iulia Timochenko, actualmente na prisão. “Demita-se”, exigiu também Vitali Klitchko, antigo campeão de boxe e líder do partido Udar.

A moção de censura obteve 186 votos a favor, a 40 da fasquia necessária para ser aprovada, mas apesar dos sinais de também no Partido das Regiões (pró-russo, no poder) há quem discorde da estratégia presidencial, a bancada manteve-se unida, boicotando a votação.

Enquanto decorria o debate, centenas de pessoas concentraram-se frente ao Parlamento, numa confrontação tensa com as forças antimotim. A manifestação dispersou-se, mas ao final da tarde um grupo de dimensão semelhante acompanhou os líderes da oposição até à sede da presidência, onde não tiveram quem os recebesse, e já ao cair da noite cerca de 20 mil pessoas estavam de novo concentradas na Praça da Independência.

Azarov abriu a porta ao diálogo – “Estamos dispostos a ouvir as críticas e a dialogar com representantes dos manifestantes e dos partidos da oposição” –, mas apenas se for levantado o bloqueio, que dura há já dois dias, à sede do Governo. Uma condição que torna mais difícil a saída do impasse: “Peço-vos que não baixeis os braços. Precisamos de um novo poder”, apelou Klitchko aos manifestantes reunidos no centro de Kiev.

Apelos que, pouco a pouco, encontram eco dentro dos círculos do poder. Quatro diplomatas, incluindo os embaixadores na ONU e na Polónia, criticaram a repressão policial, a mesma razão que levou à demissão do chefe de gabinete do Presidente. “Todas as pessoas razoáveis sabem que não podemos derramar sangue na Ucrânia. Historicamente isso não se perdoa”, disse Inna Bogoslovskaia, deputada que decidiu abandonar a bancada do Governo.

Apesar da tensão, o Presidente decidiu manter a viagem que tinha agendado à China, durante a qual espera assinar vários acordos. “Ianukovich está a tentar mostrar que a UE e a Rússia não são os únicos parceiros possíveis da Ucrânia”, disse à Reuters o analista ucraniano Volodimir Fesenko, apesar de admitir que a sua ausência tornará mais difícil qualquer compromisso para a saída da crise.

Sugerir correcção
Comentar