O caso da carne de cavalo “é uma prova de que o sistema funciona”

Tornar produtos tradicionais mais saudáveis, realizar testes alimentares mais fiáveis, definir que informação deve vir nos rótulos – a Comissão Europeia quer os cientistas a inovar o sector alimentar na Europa, diz Antonio Di Giulio, responsável pela política de investigação do organismo europeu, em entrevista ao PÚBLICO.

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O número de testes à carne na Europa aumentou Nuno Ferreira Santos

A quantidade de testes feitos à carne na Europa aumentou depois da descoberta de que carne de cavalo estava a ser vendida como sendo de vaca – um escândalo que veio provar que “a legislação e os testes que temos funcionam”, afirma António Di Giulio, director-geral para a Investigação e Inovação – Biotecnologias, Agricultura e Alimentação da Comissão Europeia.

“As pessoas no exterior [da União] sabem agora que temos um sistema que funciona, caso contrário não teríamos descoberto” a fraude, disse, numa conversa com o PÚBLICO. “Mas claro que há sempre espaço para melhorar, e é aí que a ciência entra em cena, para aumentar a qualidade dos testes, a velocidade, e fiabilidade”.

Di Giulio esteve em Lisboa para participar na conferência de encerramento do ciclo dedicado ao Futuro da Alimentação, organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo jornal PÚBLICO – conferência que coincidiu também com o lançamento do livro O Futuro da Alimentação: Ambiente, Saúde, Economia, organizado por José Lima Santos, Isabel do Carmo, Pedro Graça e Isabel Ribeiro.

O responsável europeu veio explicar qual o papel da sua direcção-geral, e de que forma a União Europeia está a apostar na inovação ligada à Alimentação, Agricultura e Pescas, apoiando projectos de investigação nestas áreas. “Hoje, graças a técnicas científicas, o custo dos testes reduziu-se muito. Isto é também um elemento importante. Há dez ou quinze anos o preço era menos eficaz. Além disso, temos trabalhado muito na questão da amostragem. Qual a forma mais eficaz de retirar amostras de um produto? Temos promovido vários projectos ligados a este tema”, explica Di Giulio.

A importância da rotulagem
Outra área, que se cruza também com a segurança alimentar, e na qual têm trabalhado é a da rotulagem. “Os rótulos são muito importantes, mas a pesquisa diz que há um limite de informação que conseguimos reter, e que é de três, quatro, cinco elementos no máximo. Isto faz parte do debate: até onde devemos ir na rotulagem? O que as pessoas lêem é a data de validade ou o ‘consumir antes de…’, ou, se tiverem algum problema de saúde, tentam perceber se há algum elemento que lhes faça mal. Há um debate aberto, e é aqui que a indústria e os accionistas entram, com diferentes pontos de vista, e a ciência tem que ajudar a garantir que no final o que for feito é para ajudar os consumidores.”

Reduzir a informação nos rótulos por incapacidade das pessoas a entenderem toda não pode ser uma desculpa, usada pela indústria, para não a dar? Di Giulio garante que não. “O que queremos é que as pessoas possam fazer uma escolha informada. Não é escolher, sublinho, é fazer uma escolha informada.”  

A Comissão Europeia lançou em Julho do ano passado o segundo convite à apresentação de propostas (o prazo terminou em Fevereiro) para financiamentos nestas áreas no âmbito do Horizonte 2020 da EU. Já foram seleccionados os projectos a apoiar, mas os resultados ainda não foram anunciados publicamente.

Um exemplo: como tornar os produtos tradicionais melhores para a saúde sem que percam as qualidades? “Como é que se pode reduzir a quantidade de sal que geralmente se coloca nestes produtos? Ou reduzir a gordura sem prejudicar o gosto? Lançámos há três ou quatro anos um projecto chamado True Food quer serviu, por exemplo, para perceber como é que se pode curar presunto de forma tradicional sempre tentando atingir patamares mais saudáveis”. No mais recente convite à apresentação de propostas, foi lançado outro tema: como é que se garante a transferência dos saberes tradicionais? “Quando uma pessoa que sabe fazer uma coisa se reforma, o novo será tão eficaz como ele? Esta é uma questão que deve ser debatida pelos cientistas”.  

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