O acordo foi histórico mas o caminho está cheio de difíceis obstáculos

No caminho de um acordo nuclear permanente entre o Irão e o Ocidente permanecem bloqueios internos, falta de confiança e oposição dos países da região.

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Ao manter o essencial das sanções, os EUA vão fazer com que o Irão perca 30 milhões de dólares no próximo semestre BEHROUZ MEHRI/AFP

O que foi decidido em Genebra, lembram os analistas, apenas suspende algumas das actividades mais sensíveis do programa nuclear iraniano em troca de um alívio (também reversível) das sanções. Transformar o provisório em permanente vai obrigar as duas partes a cedências até aqui impensáveis numa negociação que, a cada passo, promete deparar-se com novos obstáculos.

Falta de confiança
Há demasiada história e demasiados desentendimentos entre o Irão e os Estados Unidos, e isso é suficiente para colocar as negociações sob permanente risco de colapso. A desconfiança mútua foi durante anos um dos entraves a qualquer progresso significativo das negociações entre Teerão e o Grupo 5+1 (os membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha). Apesar dos sorrisos e das negociações secretas dos últimos meses, promete continuar a envenenar as negociações, quer porque os dois países têm interesses conflituantes (a guerra na Síria e o conflito israelo-palestiniano são apenas os exemplos mais flagrantes) quer porque manter essa hostilidade latente é essencial para tranquilizar as respectivas opiniões públicas e assegurar que não há cedências em nenhuma matéria fundamental.

Exemplo disso é o facto de, mal o acordo interino foi anunciado, Kerry e o seu homólogo iraniano, Mohammad Javad Zarif, terem divulgado interpretações opostas sobre o que foi acordado em relação ao enriquecimento de urânio – o principal ponto de discórdia entre Teerão e os ocidentais. O ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano disse que as potências internacionais reconheceram o direito do país a produzir combustível nuclear; o chefe da diplomacia americana afirmou que Teerão só poderá enriquecer urânio no âmbito de um programa “mutuamente definido”, que venha a resultar de um acordo final.

Os difíceis detalhes
Vários observadores sublinham que o acordo preliminar vai mais longe do que o esperado, ao impor ao Irão um regime de inspecções mais abrangente do que alguma vez o país aceitou. Além de visitas diárias às unidades de enriquecimento de Natanz e Fordow (que o Irão construiu em segredo no interior de uma montanha), os peritos da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) vão pela primeira vez entrar nas unidades onde são produzidas as centrifugadoras nucleares, usadas para enriquecer urânio. Um acesso que, a par do compromisso iraniano de neutralizar o seu stock de urânio enriquecido a 20%, torna mais difícil que o país desenvolva em segredo qualquer actividade que o aproxime da obtenção de armas nucleares (intenção que Teerão nega).

Mas, no essencial, o acordo limita-se a colocar em ponto morto as actividades mais sensíveis – Teerão vai manter inoperacionais milhares de centrifugadoras, mas não está obrigado a desmantelá-las e a construção do reactor de águas pesadas de Arak (capaz de produzir plutónio) foi apenas suspensa. Para conseguir um acordo, Teerão terá de fazer cedências que serão difíceis de vender à sua população – vai abdicar de Arak e Fordow? Quanto urânio pode enriquecer? – e em troca exigirá um alívio das sanções que o Ocidente quer adiar para o momento em que haja um acordo definitivo.

Israelitas e sauditas
O primeiro-ministro israelita não poupou nas palavras quando classificou o acordo de Genebra como um “erro histórico”. Os sauditas foram mais cautelosos ao dizer que “se houver boa vontade, o acordo pode representar um passo importante para uma solução abrangente”, mas a imprensa oficial mostrava que também Riad está descontente.

Quer Israel quer as monarquias árabes temem que o Irão tenha conseguido ganhar tempo para se dotar de armas nucleares, mas receiam sobretudo que, na eventualidade de um acordo definitivo, os EUA possam estar menos empenhados em protegê-los da ingerência iraniana, sublinhava ontem a BBC. Os sauditas deram a entender que podem adquirir meios de dissuasão nuclear para se defender do rival, numa forma de pressão pouco subtil sobre Washington. Mas é em Israel que as atenções estão concentradas, depois de Netanyahu ter dito que não se sente vinculado ao acordo. No entanto, “Israel parece ter pouca escolha além de engolir em seco”, escreveu Amos Harel, especialista em defesa do jornal Ha’aretz, sublinhando que um ataque a instalações nucleares iranianas enquanto decorrem as negociações “seria um suicídio político e diplomático”.

Restam, no entanto, outras armas a Netanyahu para impedir a aproximação de Washington e Teerão: a pressão sobre o Congresso americano é a opção mais óbvia, mas Shashank Joshi, perito do Royal United Services Institute, afirmou na BBC que não são de excluir quer operações secretas para boicotar o programa iraniano, quer um reforço da cooperação com as secretas sauditas para encontrar indícios de que Teerão está a omitir partes do seu programa nuclear – uma nova revelação como a da existência de Fordow pode deitar por terra qualquer tentativa de acordo.

Congresso americano
As novas sanções em discussão no Senado são a ameaça mais iminente às negociações, que pode levar mesmo ao seu fim prematuro. Quer na Câmara dos Representantes quer no Senado há uma clara maioria a seu favor e um cepticismo partilhado por democratas e republicanos quanto às cedências que o Irão está disposto a fazer.

Em Washington houve, por isso, poucos aplausos ao acordo conseguido em Genebra, embora a Administração Obama pareça ter, para já, algum espaço de manobra. Robert Menendez, o senador democrata que lidera o Comité de Relações Externas, garantiu que, a serem aprovadas, as novas sanções vão incluir uma cláusula prevendo a sua suspensão por seis meses. Alguns analistas avisam que, mesmo assim, o Irão pode ver no gesto um novo sinal da cedência dos EUA aos interesses israelitas, e o Washington Post escreveu que nem todos os legisladores estão dispostos a aceitar o adiamento.

A Foreign Policy recordou que Barack Obama tem poder para vetar novas sanções, mas sublinha que essa é uma guerra que o Presidente não quer comprar, tanto mais que precisará do apoio do Congresso quando, mais à frente nas negociações, quiser levantar as restrições impostas ao petróleo e ao sistema bancário iraniano.

Conservadores iranianos
Zarif foi acolhido como herói no regresso a Teerão e o Presidente Hassan Rohani, principal impulsionador das negociações, obteve a bênção do ayatollah Ali Khamenei, que elogiou publicamente as “acções inteligentes” dos negociadores. Mas se os moderados reivindicam agora um acordo que “preserva a estrutura do programa nuclear e alivia as sanções”, o caminho que têm pela frente não poderia ser mais difícil.

É improvável que os Guardas da Revolução, pilar da ortodoxia do regime e guardiões do programa nuclear, estejam dispostos a aceitar as cedências que o Ocidente exige para levantar as sanções e é incerta a margem negocial que o Supremo Líder iraniano dará de agora em diante a Rohani. E mesmo o primeiro sucesso pode revelar-se escasso: ao manter o essencial das suas sanções, os EUA vão fazer com que o Irão perca 30 mil milhões de dólares no próximo semestre, segundo cálculos do Wall Street Journal o que, segundo um responsável ouvido pelo jornal, significa que “Teerão vai estar pior no final destes seis meses do que está agora”.
 
 

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