Mordomo do Papa diz ter sido maltratado na prisão do Vaticano

Foto
Paolo Gabriele junto ao Papa Bento XVI na Praça de São Pedro, a 23 de Maio Alessandro Bianchi/Reuters

O mordomo do Papa, que está a ser julgado por ter passado a um jornalista documentos do Vaticano, queixou-se em tribunal de ter sido maltratado nos primeiros 20 dias de detenção.

Paolo Gabriele disse ter estado numa sala tão “estreita que nem podia abrir os braços”, e onde as luzes estavam acesas “24 horas por dia” — algo tão perturbador que danificou a visão, de uma forma que não especificou.

Da acusação de roubo agravado, Gabriele declarou-se inocente. Apenas se sente culpado por ter “traído a confiança do Papa”, que sentia que “o amava como um filho”, afirmou nesta terça-feira, na primeira vez que falou no tribunal do Vaticano onde se iniciou no sábado o julgamento.

O homem que tinha nas suas funções vestir o Papa e viajar à sua frente no papamóvel foi detido, a 23 de Maio, como suspeito de ser a fonte das incómodas fugas de informação que assolavam o Vaticano já há alguns meses. O livro Sua Santità, do jornalista Gianluigi Nuzzi, que revelava intrigas e violentas animosidades, em particular em torno do número 2 do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone, era particularmente incómodo — terá sido a ele que Gabriele passou os documentos que desviou.

Agora o antigo mordomo do Papa recordou os primeiros dias da sua detenção como tempos de “pressão psicológica”, em que não lhe deram sequer uma almofada. “A luz estava acesa 24 horas por dia e não havia interruptor”, disse em tribunal. O comandante da polícia do Vaticano, Domenico Giani, estava presente na sala, e ficou corado ao ouvir estas palavras, relata o jornal britânico The Guardian. O juiz-presidente do tribunal, Giuseppe Dalla Torre, ordenou a abertura de um inquérito sobre as condições de detenção do mordomo do Papa.

A polícia vaticana emitiu entretanto um comunicado garantindo que a cela onde Paolo Gabriele esteve corresponde às “normas de detenção previstas noutros países”. Mas confirmou implicitamente, diz a AFP, que a sala tinha alguns problemas, pois o mordomo “foi transferido para uma nova cela uma vintena de dias após ter sido detido, após estarem terminados os trabalhos de reestruturação” na nova cela.

A polícia confirma também que a luz estava sempre acesa, “para evitar que o detido se ferisse ou por exigências de segurança”. Mas, garante, foi-lhe fornecido uma fita para tapar os olhos, para que pudesse dormir sem ser perturbado.

Gabriele falou sobre os documentos que a polícia encontrou em sua casa (é casado e tem três filhos) e nos seus aposentos na residência do Papa em Castel-Gandolfo, em 82 caixas: cartas e outros documentos fotocopiados. “A recolha foi iniciada em 2010 e continuada em 2011”, disse, respondendo a perguntas da sua advogada, Cristiana Arru.

Calmo, de fato e gravata cinzentos, explicou tratarem-se de “cartas fotocopiadas” duas vezes: uma para enviar para fora do Vaticano, outra para guardar.

“Não pedi dinheiro nem outros benefícios para mim nem para outros”, garantiu. Fê-lo por quê? “Por um estado de ânimo e um desconcerto com uma situação que se tornou insuportável, por estar tão difundida no Vaticano”, afirmou.

“Inevitavelmente, as minhas funções levavam-me a ver muitas situações dos dois lados, do ponto de vista do que pensa o povo e do que pensa o poder”, disse. “O que me escandalizou verdadeiramente foi que muitas vezes me encontrava à mesa do Santo Padre ao pequeno-almoço e ele fazia-me perguntas sobre coisas das quais devia estar informado. Foi assim que me convenci de que era fácil manipular uma pessoa, mesmo que ela tenha um poder enorme”, tentou explicar-se.

Sugerir correcção
Comentar