MSF voltam a exigir investigação internacional a ataque dos EUA em Kunduz

Organização não acredita nas investigações internas dos Estados Unidos, NATO e Afeganistão e diz que bombardeamento em Kunduz foi um "ataque à Convenção de Genebra".

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A presidente dos MSF quer accionar organismo nunca utilizado da Convenção de Genebra Fabrice Coffrini/AFP

A organização humanitária Médicos sem Fronteiras (MSF) pediu um inquérito internacional e independente ao bombardeamento do seu hospital em Kunduz por um avião de combate norte-americano. “Não podemos depender de investigações militares internas dos Estados Unidos, NATO e forças afegãs”, disse nesta quarta-feira a presidente do grupo, Joanne Liu.

Os Médicos sem Fronteiras querem que a investigação fique a cargo de um organismo criado na Convenção de Genebra, mas que nunca foi utilizado. É a Comissão Internacional Humanitária para o Apuramento dos Factos, e, segundo grupo, é o “único organismo permanente formado especificamente para investigar violações à lei humanitária internacional”.

Para isso é preciso que um dos signatários da convenção accione o pedido de inquérito. Nem os Estados Unidos nem o Afeganistão são signatários da Convenção de Genebra, pelo que cada um teria de dar o seu aval à investigação. “Não foi apenas um ataque contra o nosso hospital”, disse Liu aos jornalistas, em Genebra. “Foi um ataque à Convenção de Genebra. Não o podemos tolerar.”

A presidente da organização diz que só com os dados de um inquérito independente é que poderá avançar com a denúncia de um possível crime. Estados Unidos, Afeganistão e NATO accionaram já três investigações internas para apurar as razões pelas quais a aviação norte-americano abriu fogo durante uma hora a um hospital em Kunduz, matando 22 pessoas. A ONU disse esta semana que esperaria pela conclusão destes inquéritos antes de ser ela própria a investigar. 

Os MSF dizem que o Exército norte-americano sabia da localização do hospital. Mesmo assim, dizem, o edifício sofreu “quatro ou cinco” ataques, apesar dos vários contactos com responsáveis do Pentágono para que a ofensiva parasse.

Na terça-feira, o Exército norte-americano admitiu pela primeira vez que atacou o hospital de Kunduz por engano. A versão da história mudou por mais do que uma vez daquela que foi apresentada inicialmente no fim-de-semana. Esta declarava que o ataque ao hospital se tratava de “danos colaterais” e que o verdadeiro alvo eram combatentes taliban que ameaçavam tropas americanas. Na segunda-feira, porém, o Pentágono admitiu que não havia militares dos Estados Unidos em perigo e que o bombardeamento foi feito a pedido do Exército afegão. Já na terça-feira, em declarações ao Congresso norte-americano, o máximo general dos Estados Unidos no Afeganistão admitiu que a decisão de validar o alvo foi tomada pelo seu exército.

“Se deixarmos isto passar, estamos basicamente a dar carta-branca a quaisquer países em guerra”, disse Joanne Liu aos jornalistas, em Genebra. A organização sugere desde o início que os Estados Unidos podem ter cometido um crime de guerra no ataque ao hospital.

O New York Times vai mais longe do que a admissão de erro do general John Campbell ao Congresso. O diário afirma nesta quarta-feira que, à porta fechada, Campbell admite que o Exército norte-americano não seguiu as suas próprias regras para ataques aéreos no Afeganistão e que nenhuma das três justificações possíveis para a ofensiva se aplica ao bombardeamento de sábado. As directivas determinam que um ataque aéreo só pode ser aprovado para “eliminar terroristas, proteger soldados americanos em dificuldades e apoiar as tropas afegãs”.

“O general Campbell pensa agora que os americanos no terreno não seguiram completamente as regras de ataque”, disse ao New York Times um dos responsáveis da Administração dos Estados Unidos com conhecimento do caso.  

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