Manifestantes em confrontos com a polícia na Tunísia após morte de desempregado

A Tunísia conseguiu fazer a transição política após a revolução de 2011, mas não conseguiu relançar a economia. Em 2015, o crescimento deve ser inferior a 1%, arrastado pela crise do sector turístico, consequência dos ataques jihadistas.

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Confrontos em Kasserine Amine Ben Aziza/REUTERS

A polícia tunisina usou gás lacrimogéneo e canhões de água para fazer dispersar os manifestantes em Kasserine, uma cidade pobre no centro do país, agitada por motins provocados pela morte de um jovem desempregado.

Centenas de pessoas reuniram-se na tarde desta quarta-feira frente à sede da representação do Governo para exigir “soluções para o desemprego”, e dirigiram-se depois para o centro das cidade, onde pequenos grupos bloquearam estradas com pneus a arder.

Houve confrontos esporádicos entre polícias e manifestantes ao longo de todo o dia. Tal como na véspera, as forças da ordem utilizaram gás lacrimogéneo para dispersar a multidão, que lhes atirava perdas, segundo um correspondente da AFP.

A polícia usou também canhões de água e atirou para o ar, segundo dizem testemunhas. Os confrontos continuavam ao início da noite, apesar de ter sido decretado um recolher obrigatório a partir das 18h e até às 5h (a Tunísia está uma hora à frente de Portugal continental) nesta cidade de cerca de 80 mil habitantes.

Oito polícias ficaram feridos em Kasserine e 11 em Thala, uma cidade próxima, segundo o director regional de Saúde, Abdelghani Chaabani. No dia anterior, 20 manifestantes e três agentes tinha ficado com ferimentos ligeiros em Kasserine.

Walid Louguini, porta-voz do Ministério do Interior, justificou a declaração do recolher obrigatório com a necessidade de “proteger as vias de tráfego” e evitar “a escalada”, também impedir “os elementos terroristas de tentar explorar esta situação.” Kasserine fica no sopé do monte Chaambi, o principal reduto dos jihadistas na Tunísia.

O exército anunciou entretanto que estava a levar a cabo “operações nas montanhas perto de Kasserine e de Sid Bouzid, com tiros de artilharia e aviação.” Segundo Belhassen Oueslati, porta-voz do Ministério da Defesa, “está a ser feito tudo o possível para evitar que essas pessoas [os jihadistas] entrem nas cidades”.

Estas manifestações e confrontos seguem-se à morte, no sábado, de um desemprego de 28 anos, Ridha Yahyaoui. Morreu electrocutado ao subir a um poste de electricidade, quando participava num protesto por ter visto o seu nome retirado de uma lista de contratações para a função pública.

Mas, para Abderrahman Hedhili, presidente da organização não-governamental Fórum Tunisino para os Direitos Económicos e Sociais (FTDES), “era há muito previsível que acontece algo deste género”.

Cinco anos após a revolução contra a ditadura de Zine el Abidine Ben Ali, que começou com a imolação do vendedor ambulante Mohamed Bouazizi em Sidi Bouzid, a exclusão social e as disparidades regionais persistem. “Lançamos alertas para a situação social, que está à beira da explosão. As pessoas ouviram, mas o Governo não tem visão, não tem programa para a regiões do interior”, disse Hedhili à AFP.

O Presidente Caid Essebsi reconheceu esta quarta-feira que o Governo actual herdou uma situação muito difícil”, com “700 mil desempregados, entre os quais 250 mil jovens com diplomas”. “Mas é preciso reconhecer que nem na Tunísia, nem na Europa, nem na América, se conseguem resolver situações como esta só com declarações ou por um estalar de dedos. É preciso dar tempo ao tempo”, afirmou.

Depois da morte do jovem desempregado, as autoridades anunciaram que seria afastado um alto responsável local do governo. Uma delegação de deputados liderada pelo Presidente do Parlamento deve também ir a Kasserine, embora não tenha sido anunciada a data.

Entretanto, realizaram-se várias manifestações de apoio a Kasserine noutros locais esta quarta-feira, a reclamar mais desenvolvimento e empregos. Perto de 150 pessoas saíram à rua em Túnis, e houve manifestações em Sousse, e em El Fahs, segundo os media locais.

Se a Tunísia conseguiu fazer a transição política após a revolução de 2011, não conseguiu relançar a economia. Em 2015, o crescimento deve ser inferior a 1%, arrastado pela crise do sector turístico, consequência da instabilidade e dos ataques jihadistas. O desemprego, ao nível nacional, ultrapassa os 15% e chega a ser o dobro entre os que têm cursos superiores.

O primeiro-ministro Habib Essid remodelou o Governo no início do mês, após um primeiro ano que foi avaliado como decepcionante.
 

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