Lula pede auto-crítica ao Governo e mobilização aos brasileiros

Ex-Presidente reconheceu que o seu partido comenteu erros e tem que pagar por eles, no mesmo dia em que a Polícia Federal formalizou acusações contra o seu ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, no âmbito da Lava Jato.

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Temos de ter em conta que cometemos erros", disse Lula Paulo Whitaker/Reuters

O ex-Presidente brasileiro, Lula da Silva, aproveitou o lançamento do site Memorial da Democracia, a versão virtual do seu futuro museu, para comentar os escândalos de corrupção que envolvem o Partido dos Trabalhadores (PT), e a crise política que ameaça o Governo de Dilma Rousseff. O partido tem que “ter em conta que cometeu erros” e a Presidente deve avaliar se está a cumprir as promessas que fez ao país, disse Lula. Aconselhou uma dose de humildade e auto-crítica aos petistas, mas também apelou à mobilização e luta para ultrapassar o actual “momento de irracionalidade da sociedade brasileira”.

Sem mencionar os casos ou nomes concretos, Lula defendeu a necessidade de pagar pelos erros cometidos. “Nós precisamos de voltar a ter orgulho e coragem de andar com as nossas camisas vermelhas [a cor do partido]. Um partido como o PT, uma família grande como essa, tem o risco de cometer erros. Na vida, quando a gente comete erro a gente paga pelo erro. Temos de ter em conta que cometemos erros; temos que ter em conta que não fizemos tudo, que tem muita coisa para fazer. Temos de ter a certeza de que temos defeitos, mas ninguém fez mais do que nós fizemos pela democracia neste país”, declarou.

Lula não precisava de personalizar o seu discurso, porque era fácil ler nas entrelinhas. No mesmo dia, a Polícia Federal indiciava formalmente algumas figuras de proa do Partido dos Trabalhadores, suspeitos de desvios de dinheiro em contratos da petrolífera estatal Petrobras, em mais uma fase da investigação Lava Jato: o ex-ministro José Dirceu, que foi chefe da Casa Civil no primeiro Governo de Lula, bem como o seu irmão e filha, e ainda João Vaccari Neto, o tesoureiro do partido que foi afastado em Abril, depois de ser detido.

Dirceu, que foi preso há um mês no âmbito da operação Pixuleco (a 17ª fase da Lava Jato), foi acusado dos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Além do ex-ministro – que estava a cumprir em regime domiciliário uma pena de sete anos pela sua participação no escândalo de compra de votos no Congresso conhecido como Mensalão –, e do homem das contas do PT, foram igualmente imputados vários empreiteiros e um ex-director da Petrobras, Renato Duque.

Segundo as autoridades, todos estavam envolvidos no esquema de pagamento de subornos e favorecimento em contratos com a Petrobras que terá movimentado 59 milhões de reais (ou 14,3 milhões de euros) – uma prática que, nota o relatório da Polícia Federal, se enquadrava num “contexto maior de desvio de recursos em que uma estrutura criminosa sistémica foi inserida no seio do governo federal”. Como noutras fases da Lava Jato, as acusações retiradas da operação Pixuleco assentam em informação fornecida por delatores, que colaboraram com a justiça em troca de um abrandamento da sentença.

Até agora, José Dirceu (um dos fundadores do PT, partido que presidiu entre 1995 e 2001), manteve-se em silêncio quanto às acusações, tanto nos seus depoimentos à Polícia Federal como à Comissão Parlamentar de Inquérito à corrupção na Petrobras que corre no Congresso, em Brasília. A sua defesa prometeu manifestar-se sobre os factos “quando for oportuno”, mas já descreveu a detenção como uma “prisão política e sem justificativa jurídica”.

Quem já partiu ao ataque foi o ex-director da Petrobras, Renato Duque, que esta quarta-feira, numa acareação da CPI da Petrobras, chamou “mentiroso contumaz” a um dos delatores da Lava Jato. Ouvido na véspera pelos parlamentares que investigam a corrupção na petrolífera, Marcelo Odebrecht, o presidente da maior construtora brasileira e acusado de ser um dos cabecilhas do esquema e líder do cartel de construtoras que beneficiavam de contratos pelo pagamento de subornos, também questionou a probidade dos delatores, que tratou depreciativamente como “dedo-duro”. “Para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar, e isso não ocorre nesta situação”, defendeu-se Odebrecht.

O empresário foi questionado sobre as suas relações tanto com a Presidente Dilma Rousseff, como o seu antecessor, Lula da Silva, que descreveu como cordiais. “É provável" que tenha conversado com ambos sobre a Petrobras, admitiu, embora não se lembrasse “especificamente de nenhuma conversa específica”. “Trataram-se de conversas republicanas”, declarou.

Lula da Silva, que foi Presidente do Brasil entre 2003 e 2011, admitiu na semana passada que “se for necessário” estará disponível para se recandidatar ao cargo. Comentando a onda de protestos contra Dilma, o antigo líder sindical lamentou que muitos manifestantes sejam favoráveis à volta da ditadura, e “contra o aumento do salário mínimo, contra as conquistas das empregadas domésticas e contra as quotas”, enumerou. “A gente [o Governo] tem que ver se estamos fazendo aquilo que nos propusemos a fazer. E a gente tem que medir a pressão para saber também porque as pessoas estão se manifestando”, acrescentou, lembrando à plateia de petistas que também eles no passado participaram em protestos. “A gente não pode reclamar. Aqui neste salão, todo mundo já carregou uma faixa contra alguém e já xingou alguém.”

com A.G.F.

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