Governo ucraniano oferece mais autonomia ao Leste para tentar tirar federalismo do mapa

Primeiro-ministro foi a Donetsk e a outras cidades onde homens armados tomaram edifícios governamentais para tentar desanuviar a tensão. Moscovo intensificou a pressão na frente do gás.

Foto
Os manifestantes pró-russos ergueram barricadas em torno do edifício do governo em Donetsk Gleb Garanich/REUTERS

O ultimato de 48 horas para que os homens armados que ocuparam os edifícios dos governos regionais das cidades de Donetsk e Lugansk, no Leste na Ucrânia, saíssem terminou esta sexta-feira, sem que se tenha concretizado a ameaça do ministro da Defesa de os expulsar pela força. Em vez disso, o primeiro-ministro interino ucraniano, Arseni Iatseniuk, foi ao Leste e prometeu uma maior autonomia às regiões, embora sem falar no federalismo que o seu incómodo vizinho, a Rússia, defende.

Afirmando-se avesso a “cenários com o uso de força”, e numa mistura de russo e ucraniano – esta última, uma língua pouco ouvida em Donetsk, sublinha o New York Times –, Iatseniuk prometeu dar às regiões mais poderes para gerir as suas próprias finanças, escolher os seus líderes e tomar conta dos seus assuntos. “Queremos fazer um equilíbrio de poderes entre o centro e as regiões”, afirmou.

Isto foi antes de entrar para uma reunião em que estiveram presentes o homem mais rico da Ucrânia, que é natural da região, Rinat Akhmetov, o governador Sergei Taruta – outro milionário nomeado pelo governo interino, mas que foi ultrapassado pelos homens armados que se apossaram do edifício do governo regional no domingo passado – e outras figuras importantes da região. Não se reuniu, no entanto, diz o Guardian, com nenhum representante dos que tomaram o poder pelas armas e que declararam o nascimento da República Popular de Donetsk, exigindo a realização de um referendo sobre a independência – ou pelo menos a autonomia – antes das eleições presidenciais, marcadas para 25 de Maio.

O boicote às eleições presidenciais naquela região é uma ameaça real, disse ao primeiro-ministro Oleksandr Lukianchenko, presidente da câmara de Donetsk, citado pelo jornal ucraniano em língua inglesa Kiyv Post. “Para não haver boicote, façam uma emenda constitucional para permitir referendos regionais”, avisou.

Uma sondagem recente feita pelo Instituto de Investigação Social e Análise Política de Donetsk revelava que mais de metade dos habitantes daquela cidade desejavam viver numa Ucrânia unida (65,7%), e metade (50,2%) preferiam manter um Estado unitário e não federalista – ainda que 31,6% dos apoiantes de um Estado unitário acreditassem que as regiões podiam ter maiores poderes em termos fiscais e económicos. Só 18,2% da população consideravam boa ideia deixar a Ucrânia para se juntar à Federação Russa.

Este estudo reforça os argumentos de quem sublinha que os homens armados que ocuparam os edifícios dos governos regionais têm na verdade por trás a Rússia, que pediu à Ucrânia que alterasse a sua Constituição para permitir a federalização da Ucrânia e a realização de referendos. A última coisa em que Moscovo está interessada é em ter um poder forte em Kiev.

Mas se se realizarem mesmo referendos no Leste da Ucrânia, e se forem semelhantes ao realizado na Crimeia – em que 96,77% da população escolheu a independência, para logo a seguir pedir a entrada na Federação Russa – dificilmente terão credibilidade. Segundo a revista Foreign Policy, um relatório elaborado por Ivan Simonovic, o secretário-geral adjunto das Nações Unidas para os Direitos Humanos, conclui que o referendo realizou-se em condições desiguais, que tornavam impossível que o “sim” não ganhasse. O relatório será apresentado no Conselho de Segurança da ONU a 15 de Abril.

Kiev e Washington acusaram os serviços especiais russos de estarem por trás da agitação no Leste da Ucrânia, mas o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, garantiu que Moscovo “não tem agentes nem militares” na região.

Dívida galopante
Onde Moscovo avançou sem rodeios foi na frente do gás. A dívida da Ucrânia à Rússia disparou como que por magia desde o início do mês: de 1700 milhões de dólares para 35.400 milhões, de acordo com uma carta enviada pelo Presidente Vladimir Putin esta semana a 18 líderes europeus.

São umas contas mirabolantes, relata a Associated Press. A 1 de Abril, Alexei Miller, o administrador da Gazprom, dizia que a dívida era de 1700 milhões; dois dias depois, adicionou-lhe 500 milhões de dólares, pelo gás fornecido em Março e não pago. A conta aumentou quando a Rússia anulou os acordos com a Ucrânia pelo aluguer da base de Sebastopol na Crimeia, que implicava descontos no gás: a conta disparou para 11.400 milhões. Putin, na sua carta, falava em 17 mil milhões e dizia que Kiev devia mais 18.400 milhões em multas não pagas por ter falhado pagamentos no passado, chegando assim aos 35.400 milhões. E ainda mencionava 3000 milhões de dólares emprestados à Ucrânia em Dezembro.

Putin, no entanto, diz que não vai cortar o fornecimento: Vou dizer outra vez: não planeamos cortar o gás à Ucrânia”, disse na televisão.

O Governo ucraniano diz que não vai pagar os preços elevados que a Rússia lhe está a cobrar pelo gás – houve um aumento de 80% a partir de 1 de Abril – e vai contestá-los num tribunal arbitral em Estocolmo, nomeadamente o contracto feito em 2009 que permite à Gazprom fazer os aumentos de 80%. As perspectivas de sucesso não são claras, dizem analistas do mercado de energia.

Sugerir correcção
Comentar