Foi fácil escolher os nomes, mais difícil saber o que fazer a Putin
O Conselho levou um minuto para decidir que o polaco Donald Tusk e a italiana Federica Mogherini vão presidir ao Conselho Europeu e chefiar a diplomacia europeia. A escalada da Rússia vai obrigar a Europa a mais sanções, que provavelmente não vão chegar para dissuadir Putin.
Deve ter sido uma das cimeiras mais dramáticas da história da União Europeia. As imagens que chegavam da Ucrânia, onde se cavam trincheiras em volta de Mariupol, e o aumento constante de tropas russas numa escalada militar sem precedentes, não terão deixado qualquer dúvida aos líderes europeus sobre a dimensão do problema que têm de enfrentar.
Mesmo assim, houve algumas divergências de tom e de urgência à volta da mesa sobre o caminho a seguir. Haverá novas sanções que a Comissão deve preparar e que serão consideradas apenas depois de mais um encontro em Minsk (na segunda-feira) entre os Presidentes russo e ucraniano e a União Europeia. O Presidente ucraniano, que foi recebido este sábado pelos líderes europeus, avisou que a situação pode rapidamente transformar-se numa “guerra total”. A Presidente lituana, Dalia Grybauskaite, que defendeu o envio de armas para Kiev, alertou para que esta guerra “é também uma guerra contra a Europa”.
Nestas circunstâncias, os líderes não perderam tempo com a escolha dos nomes de quem vai substituir Herman von Rompuy na presidência do Conselho Europeu e Catherine Ashton à frente da diplomacia europeia, inicialmente o objectivo principal da cimeira. “Levaram um minuto”, disse ao PÚBLICO uma fonte diplomática portuguesa. Aliás, já não eram esperadas surpresas. Nos últimos dias, o nome de Donald Tusk, o primeiro-ministro polaco, começou a ser consensual. É uma escolha que premeia um país da Europa de Leste que se transformou num parceiro europeu convicto e fiável. É um sinal para Moscovo sobre até onde pode ir a sua “revisão” da ordem europeia. É uma forma de garantir que se mantêm as pontes entre os países do euro (a cujas cimeiras Tusk também presidirá) e aqueles que estão de fora. Tusk retribuiu o prémio europeu com palavras moderadas sobre a melhor forma de responder a Putin. Na linha da frente face a Moscovo, a Polónia faz parte dos países que não têm qualquer ilusão sobre o comportamento do Presidente russo. Fez um gesto a Londres: “A União e eu próprio iremos ao encontro das preocupações do Reino Unido. Digo isso, porque creio que (…) ninguém que seja razoável pode imaginar a Europa sem o Reino Unido”. Angela Merkel acrescentou que era uma forma de “mostrar unidade” entre os 18 países do euro e os 10 restantes.
A escolha de Federica Mogherini, que o primeiro-ministro italiano praticamente impôs aos seus parceiros europeus, não é certamente a melhor, quando a segurança sobe para o topo da agenda europeia. Não há tempo, nesta altura, para esperar que ganhe experiência e credibilidade. Começou mal, precisamente porque escolheu Vladimir Putin para a sua primeira visita. Se era preciso dar mais consistência à dimensão de segurança da Europa, não é com ela que isso vai acontecer, pelo menos no imediato. “Todos nós sabemos que a via militar não é a solução para a Ucrânia, temos de manter a via diplomática aberta”, disse neste sábado, já depois da oficialização da sua escolha.
Embora haja consenso sobre a necessidade de elevar o nível das sanções, perante o risco de uma escalada militar, há nuances nas posições dos vários países. A Finlândia, com uma economia muito dependente das exportações para a Rússia e que acaba de entrar em recessão, gostaria de não ter de pagar esse preço. A Itália, com grandes negócios com os gigantes russos do gás e do petróleo, também não. O próprio Presidente Hollande, que usou um tom muito duro contra a Rússia ainda no Palácio do Eliseu, onde recebeu os líderes socialistas europeus, não esclareceu se vai ou não vender-lhe as duas fragatas Mistral. Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu, foi mais coerente. Avisou que era necessário explicar aos europeus que haveria um preço a pagar para garantir a sua segurança. O custo das sanções para uma maioria de países cujas economias não crescem e o desemprego não desce é um problema. A Europa tem de considerá-lo em conjunto, se quer enfrentar a ameaça que hoje Putin representa.
O que interessava sobretudo a Hollande neste encontro prévio à cimeira era garantir o apoio dos seus pares socialistas para um Conselho Europeu apenas destinado a debater o crescimento. Já conseguiu a aquiescência da própria chanceler, com data marcada para 7 de Outubro. O Presidente francês acaba de nomear um segundo Governo de Manuel Valls, liberto dos ministros que se opunham ao seu programa de reformas. Acha que mostrou a Berlim que fala a sério quando promete reformar a França. Quer, em contrapartida, alguma flexibilidade que lhe permita tirar a economia da estagnação.
A promessas de sanções à espera que Putin cesse a escalada militar começa, no entanto, a revelar-se como uma arma de efeito apenas a longo prazo. Em Milão, onde se reuniram os chefes da diplomacia europeia, estiveram em cima da mesa dois cenários possíveis. O mais brando partia da hipótese de oferecer a Putin a garantia da neutralidade ucraniana, impedindo a sua adesão à NATO e à União num futuro próximo. Kiev teria dificuldade em aceitar este cenário cujas consequências internas seriam imprevisíveis. A Ucrânia já anunciou que vai reabrir o seu pedido de adesão à NATO e a resposta da Aliança não foi, longe disso, fechar-lhe a porta. O problema maior deste cenário seria a garantia de que o Presidente russo cumpriria um compromisso nesse sentido, ou o olharia como mais uma prova de fraqueza e uma espécie de sinal intermitente para prosseguir a escalada. O segundo, mais duro, seria o apoio militar a Kiev e, evidentemente, o reforça da presença da NATO nos países aliados que podem entrar na linha de mira de Moscovo. Putin tem duas “armas” para jogar: a ameaça de corte do abastecimento energético à Ucrânia e à própria Europa, quando o Inverno se aproxima; a ameaça muito pouco velada sobre o seu arsenal nuclear.
Haverá no final da próxima semana uma cimeira da NATO no País de Gales. A Aliança vai ter de redefinir a sua missão em função do que se está a passar na Europa. A pressão sobre os aliados europeus para gastarem mais dinheiro com a defesa e para coordenarem melhor as suas capacidades militares não poderá ser encarada de ânimo leve. Mais uma vez, o problema é que, para a maioria dos países do euro, a pressão sobre a redução dos défices é de tal ordem que torna difícil sequer abordar a questão junto das respectivas opiniões públicas. A Europa está em risco de voltar a entrar em recessão pela terceira vez desde o eclodir da crise. Mario Drahgi já avisou que aumentaram os riscos de deflação.