A Grécia definha, os técnicos negoceiam e os políticos discursam

Depósitos nos bancos gregos chegam ao valor mais baixo desde 2004, no dia em que a Grécia entrou de novo em recessão.

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Louisa Gouliamaki/AFP

No mês passado, os gregos levantaram mais de 5,6 mil milhões de euros das suas contas, e dados oficiais mostram que os depósitos nos bancos do país estão neste momento em 139,4 mil milhões de dólares, o nível menor desde 2004.

Com cada vez mais dúvidas sobre o que vai acontecer nas negociações com os credores internacionais, e com as datas de potenciais incumprimentos cada vez mais perto, muitos gregos que ainda têm dinheiro nos bancos vão-no retirando. Quem vive na Grécia diz que há pessoas a comprar apressadamente carros ou outros bens para evitar ter os depósitos nos bancos, quando se multiplicam notícias sobre possíveis controlos de capital ou taxas sobre levantamentos.

A incerteza chegou a tal ponto que já é notícia nos jornais e televisões quando o Governo paga as reformas e os salários dos funcionários públicos.

As empresas estão a encontrar dificuldades de financiamento, as importações estão semiparalisadas, e o efeito de todo este clima na economia já foi confirmado: o país entrou mesmo de novo em recessão, depois de no ano passado a economia ter conseguido uma ligeira recuperação. O organismo oficial de estatísticas da Grécia registou dois recuos em dois trimestres sucessivos (0,2% e 0,4%).

Desde o início do ano, o investimento baixou 7,5%. As exportações diminuíram também 0,6% em relação ao trimestre anterior e as importações de bens 2,3%. A situação, dizem economistas, é já pior do que a Grande Depressão nos anos 1930 nos EUA.

Enquanto isso, os técnicos negoceiam e os políticos discursam.

“Iremos encontrar uma solução nos próximos dias ou semanas”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, numa conferência de imprensa em Tóquio, onde estava para uma visita oficial. Já o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, afirmou que há tempo para conseguir um acordo até 30 de Junho, quando termina o actual programa. Numa rara ocasião de uníssono, também o ministro grego das Finanças, Yannis Varoufakis, falou de 30 de Junho como o limite.

Antes, a próxima sexta-feira, 5 de Junho, era vista como o dia decisivo. É quando vence a primeira de quatro prestações que o país tem de pagar ao FMI  em Junho. Depois de ter dito que já não teria dinheiro para esta prestação, o ministro grego da Economia, Giorgos Stathakis, afirmou que o Executivo deveria cumprir este prazo de pagamento de 300 milhões.

Há também cada vez mais analistas a dizer que mesmo em caso de não pagamento – seria o primeiro incumprimento de um país desenvolvido numa dívida ao FMI – isto não levaria automaticamente a uma saída da Grécia do euro.

Na véspera, a directora-geral do FMI, Christine Lagarde, provocou inquietação com declarações laterais ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, dizendo que admitia uma saída da Grécia do euro. Horas depois, o jornal alterava o título para “Lagarde não exclui uma saída da Grécia do euro”, acrescentando que a directora-geral do FMI dizia que “ninguém quer que isso aconteça”. Lagarde dizia ainda que o euro conseguiria sobreviver a uma saída grega.

Em sentido contrário e sinalizando já alguma impaciência americana, o secretário do Tesouro Jack Lew repetiu que ninguém pode prever os efeitos de uma Grexit (saída da Grécia da zona euro). “Há uma grande incerteza numa altura em que o mundo precisa de estabilidade”, disse Lew após a reunião do G7 em Dresden, na Alemanha. O responsável acrescentou que era necessário um acordo de princípio rápido para que depois ficassem por acertar os detalhes. “Penso que esperar até um dia ou dois antes de qualquer que seja o prazo é apenas uma maneira de provocar um acidente”, declarou. Fontes americanas citadas pelo canal de informação económica Bloomberg mencionaram uma ansiedade americana cada vez maior e um medo de que os europeus desvalorizem o perigo de uma Grexit.

Numa farpa ao anfitrião na conferência de imprensa, Lew defendeu ainda que as economias deveriam considerar políticas de crescimento para evitar a deflação. Mas também disse que a Grécia deveria apresentar um plano credível de reformas.

Já o seu homólogo francês Michel Sapin disse no final da reunião que “não há cenário de Grexit”, desvalorizando as declarações de Lagarde.

A sensação de incerteza sobre o resultado destas negociações é transversal. De cidadãos comuns a analistas, ninguém sabe o que trarão as próximas semanas ou meses. “Não sei o que vai acontecer. E duvido que mesmo as pessoas que estão envolvidas nas negociações saibam realmente o que vai acontecer”, dizia Martin Wolf, colunista do Financial Times, em entrevista ao PÚBLICO.

Na Grécia a vida continua. Exaustos por cinco anos de austeridade e cortes e quase tantos de manifestações violentas, e quatro meses de negociações inconclusivas com declarações contraditórias quase quotidianas, há quem descreva o ambiente no país mais como de tensão resignada do que nervosismo explosivo.

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