Com os jihadistas à porta, aperta-se o cerco a Maliki

Dentro e fora do Iraque, crescem as pressões para que o primeiro-ministro iraquiano se afaste do poder. O sectarismo com que governou fomentou a revolta sunita que ameaça o país.

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Cartaz com o rosto de Maliki: um políico em xeque AFP

Enquanto os jihadistas do grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) continuam a sua ofensiva, o cerco aperta-se em torno do primeiro-ministro iraquiano Nouri Al-Maliki, pressionado para deixar o poder, que tem exercido de forma sectária. O mais importante líder religioso xiita iraquiano, o grande ayatollah Ali al-Sistani, apelou nas orações de sexta-feira tanto à “expulsão” dos invasores do Iraque como “à rápida formação de “um novo Governo eficaz, com amplo apoio nacional, que evite os erros passados”.

Sistani vive na cidade santa de Karbala e raramente é visto em público. As suas palavras foram divulgadas por um porta-voz. Falava sobre os resultados das eleições legislativas de 30 de Abril, cujos resultados foram ratificados pelo Tribunal Federal iraquiano esta semana. Segundo a Constituição, a primeira sessão do novo Parlamento devia realizar-se dentro de 15 dias – a data precisa seria 30 de Junho – para que os deputados escolhessem novos Presidente e um novo primeiro-ministro e então se pudesse formar um novo Governo.

Mas os partidos iraquianos estão divididos sobre se o Parlamento deve reunir-se como previsto, quando o país está a braços com a ofensiva de um grupo terrorista sunita, que tem actuado na guerra da Síria, e que na semana passada conquistou Mossul e outras cidades do Norte do país.

Esta sexta-feira, o ISIS penetrou numa antiga fábrica de armas químicas de Saddam Hussein, o complexo Al-Muthanna, a cerca de 50 km de Bagdad, onde poderão existir ainda alguns depósitos de munições químicas em “bunkers”, embora não devam estar utilizáveis. Foi intensamente bombardeamento durante a I Guerra do Golfo, em 1991 e verificado por inspectores das Nações Unidas, que destruíram equipamento e materiais. A maior parte dos edifícios foi destruída e o que restava foi pilhado, dizia um relatório da CIA de 2007 citado pelo Washington Post.

Sectário
Como líder do partido mais votado, Maliki espera cumprir um terceiro mandato – mas não falta quem lhe atribua culpas por esta crise de segurança, que deixou vastas áreas do país nas mãos de um grupo extremista inspirado pela Al-Qaeda mas que a própria rede terrorista fundada por Osama Bin Laden rejeitou por considerar os seus métodos demasiado violentos.

O Presidente norte-americano, Barack Obama, ao anunciar o envio de 300 conselheiros militares, criticou implicitamente Maliki na quinta-feira, aconselhando os líderes políticos iraquianos a que “se ergam acima das suas diferenças” e “governem com um programa inclusivo”. É uma crítica ao que tem sido, desde 2010, a prática do primeiro-ministro iraquiano, um xiita apoiado por Teerão que afastou de todos os cargos e órgãos de poder membros da maioria sunita. E reprimiu violentamente protestos pacíficos de sunitas em várias cidades contra a corrupção. Os contestatários foram apelidados de terroristas. 

A esta atitude sectária juntou-se um comportamento cada vez mais autoritário, e um claro desejo de controlar o exército e as forças de segurança – assumiu ele próprio, desde 2010, os ministérios da Defesa e do Interior, recorda a Foreign Policy, num artigo sobre como Maliki tem governado o Iraque. A mobilização do Despertar sunita, que tinha sido decisiva para lutar contra os grupos terroristas e a Al-Qaeda, foi desencorajada e mesmo perseguida.

Embora Obama não tenha apelado à saída de Maliki do poder, o New York Times escreve que diplomatas norte-americanos têm-se envolvido em contactos com políticos iraquianos que poderiam ser uma alternativa. Adel Abdul Mahdi, Ahmed Chalabi e Bayan Jaber são os mais falados.

Todos estes politicos fazem parte do bloco xiita do Parlamento e isso não é surpreendente. Muitos dos ex-aliados xiitas e curdos de Maliki se têm manifestado contra a possibilidade, até aqui clara, de Maliki ter um terceiro mandato, alegando que se encerrou num círculo cada vez mais reduzido e menos representativo da sociedade iraquiana.

Neste momento, diz o jornal britânico The Guardian, nem Teerão, o grande pólo xiita do Médio Oriente, estará a ver Maliki com optimismo: o poderoso Qassem Suleimani, comandante da força Quds dos Guardas da Revolução iranianos, que realiza operações especiais no estrangeiro e é presença assídua tanto em Bagdad como em Damasco, não tem uma boa opinião sobre o primeiro-ministro iraquiano.

O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, juntou-se ao coro de vozes críticas à actuação de Nouri al-Maliki. O Iraque, afirmou em entrevista à televisão BFM, precisa de um governo de amplo entendimento. “Com ou sem Maliki, aquilo de que este país precisa é de um governo de unidade nacional”, afirmou.

“É a primeira vez que um grupo terrorista ameaça assumir o controlo de um Estado. Não quero ser sensacionalista, mas talvez tenham visto os vídeos em que os membros do ISIS jogam à bola com as cabeças das pessoas que acabaram de assassinar. Se estas pessoas tomarem conta do Iraque podem imaginar o que é que isto vai querer dizer”, afirmou o ministro francês.


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