Com a ajuda de Putin, os jovens russos sonham com a glória perdida da União Soviética

Nunca viveram os dias de Estaline, mas afirmam que antigamente é que a Rússia se dava ao respeito. E agradecem ao Presidente por estar a recuperar a força do seu país.

Entre os mais jovens, o nível de popularidade de Putin ronda os 86%
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Entre os mais jovens, o nível de popularidade de Putin ronda os 86% DMITRY SEREBRYAKOV/AFP
Oksana Chernisheva
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Oksana Chernisheva Brendan Hoffman/Prime for The Washington Post
Maksim Rudnev
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Maksim Rudnev Vladimir Alexandrov for The Washington Post

Oksana Chernisheva, uma estudante no primeiro ano de jornalismo na Universidade Internacional de Moscovo, partilha da opinião do seu Presidente, Vladimir Putin. O colapso da União Soviética foi um desastre.

A União Soviética dava-se ao respeito no palco internacional. Batia-se taco a taco com os Estados Unidos. E estendia a sua influência por todos os cantos do mundo. “Eramos grandes e fortes, e depois tudo ruiu”, diz a futura jornalista.

Mas aquilo que para Putin, de 61 anos, é a expressão de um acentuado sentido de glória perdida, para Chernisheva, uma miúda de 18 anos com cara de bebé, é um lamento baseado quase inteiramente em memórias melancólicas de pais nostálgicos. Chernisheva nasceu cinco anos depois do colapso da União Sovética.

A decisão de Putin anexar a Crimeia e apoiar a oposição pró-russa na Ucrânia e noutras ex-repúblicas soviéticas, parece ter tido um forte impacto junto das gerações mais novas que não têm memória da União Soviética, mas anseiam pelo regresso do seu poder histórico.

Segundo o Centro Levada, uma organização independente de estudos de opinião com sede em Moscovo, o elevado nível de popularidade de Putin junto dos mais novos é ainda maior do que o das gerações mais velhas que recordam os dias do império e que vêm a Crimeia – e mesmo a Ucrânia – com território russo.

Jovens com idades entre os 18 e 24 anos – o grupo etário mais baixo de um total de 1600 pessoas entrevistadas no passado mês de Maio – apoiavam Putin mais do que qualquer outra faixa etária, com uns impressionantes 86%, explicou Karina Pipiya, do Centro Levada. 82% dos russos com idades entre 40 e 54 anos disseram que apoiavam Putin.

Tal com tantos outros jovens russos, Chernisheva ouviu dos pais, um gerente de uma panificadora e uma trabalhadora fabril, descrições de um tempo em que a vida era mais ordenada, “a comida sabia melhor e os gelados eram baratos”.

“Ter medo significa ter respeito”
Mas a imagem de uma antiga potência militar que impunha respeito em todo o mundo é, em particular, aquilo que mais a seduz, explica a rapariga. “Penso que o mundo devia ter medo de nós”, diz enquanto bebe um chocolate quente num café perto da universidade. “Ter medo significa ter respeito.”

Noutra ponta da cidade, na moderna sede da Jovem Guarda para a Nova Rússia, a juventude do partido de Putin, Maksim Rudnev, 26 anos, diz que também não se lembra do colapso da União Soviética – e que não conhece Chernisheva. Rudnev foi um dos vários jovens russos entrevistados separadamente para este artigo.

Tal como outros da sua idade, Rudnev lembra-se de ser criança durante a caótica década de 1990, quando milhares perderam os seus empregos e pensões, à medida que o país avançava gradualmente para um estranho e injusto capitalismo.

Nesses anos 90, o pai de Rudnev, um antigo soldado do exército russo, teve de passar os fins-de-semana a apanhar alperces para sustentar a família. Agora o seu pai tem um pequeno negócio e Rudnev subiu para os escalões mais altos da Jovem Guarda de Putin – um estatuto que, explica, promete oportunidades na política e no poder.

“A nossa geração apoia o Presidente porque nos lembramos muito bem como era antes dele e como é que ficou depois dele”, explica Rudnev.

As taxas de aprovação de Putin subiram em todos os escalões etários nos últimos meses, estando agora nuns impressionantes 83% a nível nacional, segundo os números do Centro Levada. Mas os críticos do Presidente dizem que ele deixou muito pouco espaço para surgirem alternativas. Ultimamente, o Estado apertou os controlos da internet e da liberdade de expressão, e a principal figura da oposição está em prisão domiciliária.

No principal manual escolar utilizado pelos alunos mais velhos do liceu, “o nome de Putin é mencionado 26 vezes em apenas seis páginas”, diz Igor Dolutski, um crítico de Putin e um reconhecido professor de história a viver em Moscovo, cujo seu próprio livro foi banido há alguns anos por se referir ao governo de Putin como uma “ditadura autoritária”.

A introdução de um novo manual escolar no próximo ano vai reforçar ainda mais uma versão “falsificada” da história da Rússia, explica Dolutsky. 

Nos liceus e universidades, os alunos anti-Putin são uma minoria que é ostracizada e insultada por apoiar ideias da oposição. “É muito fácil ir para a prisão na Rússia”, diz um amigo de Chernisheva, Anton Kusakinl, de 20 anos, que trabalhou com o líder da oposição Alexei Navalni no ano passado, antes deste ser colocado em prisão domiciliária, e que discorda abertamente dos seus amigos pró-Putin (por exemplo, considera que a anexação da Crimeia “estragou tudo”).

Tanto ele como Chernisheva concordam que o activismo na Universidade é praticamente inexistente no actual clima que se vive na Rússia. Os media estatais transmitem constantemente a imagem de uma Guerra Fria contra um Ocidente empenhado em manter a Rússia em baixo, explicam analistas.

Entretanto, os jovens russos estão a crescer num ambiente de preços exorbitantes e corrupção generalizada, enquanto no estrangeiro encontram uma crescente hostilidade em relação à política externa russa.

O líder que eles precisam
Anna Gasak, uma aluna de relações internacionais de 20 anos, coloca as coisas assim: “Agora o ideário nacional é um pouco vago e não sabemos o que seguir, quem seguir ou o que fazer.” Gasak, que passou algum tempo na Europa e que descreve a política externa de Putin como uma demonstração positiva de força, considera que nos tempos soviéticos “éramos mais unidos”.

Hoje em dia, mais e mais colegas seus procuram uma “vida melhor” na Europa ou nos Estados Unidos – se tiverem dinheiro para isso. Mas aqueles que viajaram para o Ocidente tornaram-se ainda mais ferozes defensores da Rússia, uma nação acossada, que está cada vez mais isolada no palco internacional.

Putin é “um líder forte”, sublinha Gasak, sentada num Starbucks na zona chique do centro de Moscovo. “Mas não sei porque é que ele não aplica aquilo que faz na política externa cá dentro, na política doméstica”, acrescenta, expressando a sua frustração com o fraco desempenho da economia do país e a corrupção endémica.

O Presidente russo, que gosta de desporto e de animais, e que aparece em tronco nu em t-shirts e canecas à venda um pouco por todo o lado em Moscovo, é um poderoso modelo para os mais jovens que procuram um líder que os oriente.

Em entrevistas, jovens moscovitas elogiaram repetidamente a maneira como Putin organizou os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi e a sua “independência” no que toca à política internacional. Ele é um homem que defende a Rússia, disseram.

A jovem Chernisheva, cuja figura poderia sugerir que teria uma visão mais gentil do mundo, disse que está farta que a Rússia seja uma nação que o Ocidente vê “como um país do terceiro mundo”. Mas ela acredita que Putin tem a nação no bom caminho. “Talvez agora o mundo já tenha começado a ter medo outra vez.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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