Colégio Eleitoral: a história de uma última revolta contra Trump que não vai dar em nada

Pelo menos oito eleitores do Partido Democrata e um do Partido Republicano abriram as portas a uma última tentativa para travar a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Os obstáculos são muito maiores do que dez Trump Towers, umas em cima das outras.

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Donald Trump continua a compor a sua Administração e vai tomar posse em Janeiro Brendan McDermid/Reuters

Os mais jovens já não se lembram, mas houve um tempo em que Donald Trump não era levado a sério como candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos. Estávamos em Novembro de 2015 (sim, há pouco mais de um ano, ou há um século no calendário das redes sociais), e muitos analistas e destacadas figuras do partido ainda acreditavam que a candidatura do magnata do imobiliário iria implodir a qualquer momento, tal era a controvérsia que cada uma das suas declarações provocava.

Para além dos naturais ataques vindos do outro lado, do Partido Democrata, a nomeação de Trump foi sempre contestada por uma facção do próprio Partido Republicano, que tentou organizar-se num movimento que ficou conhecido como Never Trump.

Mesmo durante a convenção do partido, em finais de Julho, alguns delegados (e o senador Ted Cruz) tentaram tirar o tapete ao candidato mais votado durante as eleições primárias. A ideia era furar a esperada fidelidade e não declarar o voto em Donald Trump na convenção, o que, apesar de não ser irregular (ou de não haver consenso sobre se é ou não irregular), é visto como uma traição ao desejo que os eleitores manifestam quando votam nas primárias.

Se houvesse um número suficiente de delegados dispostos a ir por esse caminho, a convenção passava a ser um gigantesco debate, com negociações nos bastidores para tentar deixar Trump para trás e nomear o segundo mais votado nas primárias (Ted Cruz), ou até um nome que nem sequer tinha concorrido à nomeação, como o presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan.

Como é fácil constatar pelas nomeações para a próxima Administração que Donald Trump tem feito nos últimos dias, o mínimo que se pode dizer é que essa batalha foi perdida – o próximo Presidente vai mesmo ser ele, depois de ter vencido a guerra contra Hillary Clinton nas eleições de 8 de Novembro.

Ou não?

Apesar de ter vencido as eleições, a verdade é que falta ainda um passo para que Donald Trump chegue à Casa Branca, graças ao complexo sistema eleitoral norte-americano.

Como a eleição do Presidente é indirecta, o candidato que surge como vencedor na noite das eleições gerais tem de esperar ainda por uma outra votação – a do Colégio Eleitoral, composto actualmente por 538 pessoas dos 50 estados mais a capital, a maioria escolhidas ou eleitas pela importância que têm nos seus partidos e, logicamente, pela sua fidelidade a esses partidos.

Tal como acontece nas convenções do Partido Republicano e do Partido Democrata para a escolha do nomeado que vai concorrer às presidenciais, a votação do Colégio Eleitoral também é vista como um passo meramente formal – num e noutro caso, espera-se que os delegados (nas convenções) ou os eleitores (no Colégio Eleitoral) se limitem a validar os resultados obtidos nas eleições.

Por exemplo, como no dia 8 de Novembro Donald Trump venceu no estado do Alasca, que tem três eleitores no Colégio Eleitoral (este número varia entre um mínimo de três e os 55 actualmente atribuídos à Califórnia), espera-se que as três pessoas escolhidas para representar o Partido Republicano do Alasca no Colégio Eleitoral votem nele no próximo dia 19 de Dezembro.

O sonho dos Eleitores Hamilton

Mas já todos sabemos que este ciclo eleitoral nos Estados Unidos está a ser tudo menos normal. E, para acabar o ano sem destoar, oito eleitores do Partido Democrata no Colégio Eleitoral anunciaram que vão tentar travar a vitória de Donald Trump neste seu último passo até à Casa Branca, seguindo uma estratégia criativa – e histórica porque envolve vários eleitores –, mas sem grandes probabilidades de sucesso: ao contrário do que é esperado deles, não vão votar em Hillary Clinton mas sim num nome do Partido Republicano que consideram ser mais capaz para ser Presidente do que Donald Trump.

No papel, o plano é simples: se estes eleitores do Partido Democrata conseguirem convencer pelo menos 37 eleitores do Partido Republicano a fazerem o mesmo – a revoltarem-se e a não votarem em Donald Trump –, o magnata do imobiliário fica abaixo dos 270 votos necessários para ser nomeado Presidente (se todos se portarem bem e votarem de acordo com os resultados em cada estado, Trump vai ter 303 votos e Hillary Clinton apenas 232).

Até agora, conseguiram convencer um – Christopher Suprun, um bombeiro do Texas que escreveu um artigo no jornal The New York Times a dizer que vai contrariar o sentido de voto no seu estado e sugere que no seu boletim estará o nome do governador do Ohio, John Kasich, alinhado com a ala mais tradicional do Partido Republicano. Outro eleitor do Partido Republicano, Art Sisneros, demitiu-se do Colégio Eleitoral para não ter de votar em Trump, mas vai ser substituído por outro que deverá votar no Presidente eleito.

Os oito eleitores do Partido Democrata apresentam-se como os Eleitores Hamilton, numa referência a um dos pais fundadores dos EUA, Alexander Hamilton. Segundo a interpretação que fazem dos escritos de Hamilton, todos os eleitores do Colégio Eleitoral têm liberdade para votar em quem entenderem, para garantirem que "o cargo de Presidente nunca seja entregue a um homem que não tem as qualificações mínimas", como se lê nos Federalist Papers – os documentos em que Alexander Hamilton, James Madison e John Jay defenderam, em 1787, a ratificação da Constituição norte-americana.

Mas a tradição foi no sentido oposto, e há muito que o Colégio Eleitoral se limita a carimbar como Presidente o candidato que vence as eleições – não quem tem mais votos em todo o país (Hillary Clinton recebeu quase mais 2,5 milhões de votos do que Donald Trump) mas sim quem conquista mais eleitores do Colégio Eleitoral no somatório de todos os estados mais a capital (Donald Trump amealhou 306 e Hillary Clinton ficou-se pelos 232).

Um plano histórico

Desde 1796, nunca tantos eleitores do Colégio Eleitoral mudaram o seu voto para um candidato de outro partido na mesma eleição, o que torna o plano dos Eleitores Hamilton histórico – em muitas ocasiões houve mudanças, mas ou foram protagonizadas por apenas um eleitor, ou estiveram relacionadas com a morte de candidatos a Presidente e com candidatos a vice-presidente. Mas o complexo sistema eleitoral norte-americano e a maioria do Partido Republicano no Congresso bastam para refrear os ânimos dos mais descontentes com Donald Trump.

Mesmo que os oito Eleitores Hamilton do Partido Democrata e o eleitor do Partido Republicano Christopher Suprun (o bombeiro que escreveu o artigo no The New York Times) conseguissem convencer mais 36 republicanos a votarem noutro candidato que não Donald Trump, ficando este com apenas 269 votos no Colégio Eleitoral, a nomeação do Presidente passaria para as mãos da Câmara dos Representantes, onde o Partido Republicano está em maioria.

É o que acontece quando nenhum candidato a Presidente amealha pelo menos 270 votos no Colégio Eleitoral – a Câmara dos Representantes escolhe entre os três com mais votos, e Donald Trump continuaria a ser o mais votado, com 269.

Para que um terceiro candidato, como o governador John Kasich, saísse da Câmara dos Representantes como Presidente, seria preciso que a maioria republicana virasse quase por completo as costas a Donald Trump no último momento – algo que não aconteceu durante as primárias e que é ainda mais difícil quando o Presidente eleito já fez várias nomeações para a Administração. Para além disso, uma decisão tão radical do Partido Republicano seria entendida pelos seus próprios eleitores (que deram a vitória a Donald Trump nas urnas duas vezes: nas primárias e nas gerais) como uma traição, e num ano tão conturbado como este poderia ser uma experiência ainda mais perigosa do que a eleição de Donald Trump.

A somar a estas dificuldades, 29 dos 50 estados, mais a capital, têm leis que impõem multas aos eleitores do Colégio Eleitoral que contrariem a linha do seu partido, uma prática validada pelo Supremo Tribunal em 1952. Essas multas não são muito elevadas (entre os 500 dólares e os mil dólares), e em 21 estados não há nenhuma lei que obrigue os eleitores a assinarem um compromisso. Daí a juntar todas estas peças para que o puzzle revele um Presidente que não seja Donald Trump é pouco mais do que wishful thinking da parte dos opositores do magnata do imobiliário.

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