Recusa de um terceiro mandato de Cameron vista como um tiro no pé

Gesto brilhante ou acção desastrada? A maioria dos analistas políticos pensa que o primeiro-ministro britânico não foi feliz na declaração.

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Terá sido Cameron demasiado honesto ou cometeu um erro estratégico? BEN STANSALL/AFP

A sete semanas das eleições britânicas, o primeiro-ministro, David Cameron, lançou uma “bomba” na campanha, até agora bastante morna: quer cumprir até ao fim um segundo mandato, mas não um terceiro.

Críticos dizem que mostrou arrogância ao partir do princípio de que vai ser eleito e ao nomear três possíveis sucessores, defensores dizem que foi honesto e que mostrou não querer apenas perpetuar-se no poder.

A mensagem de Cameron, em mangas de camisa numa entrevista à BBC na sua cozinha, foi a de que quer mais um mandato de cinco anos: “não apenas para tratar da confusão” – as medidas de austeridade, os cortes dos primeiros cinco anos do seu Govenro em aliança com os liberais-democratas – “mas para ter oportunidade para depois fazer coisas construtivas”, por exemplo na “educação e segurança social”.

Se a ideia foi chamar a atenção, resultou: toda a imprensa britânica trazia com grande destaque as suas declarações nas primeiras páginas. Mas na sua primeira presença pública após a declaração, o riso da audiência quando se tentou explicar pode indiciar que a declaração pode não ter sido a melhor ideia. “O que fiz na minha cozinha foi dar uma resposta directa a uma questão directa”, declarou num encontro sobre o sistema nacional de saúde. “Penso que as pessoas perceberão que dizer que se quer cumprir um segundo mandato de cinco anos é algo muito razoável, sensato.”

Analistas dizem que a declaração traz outros problemas: deixa os eleitores a pensar num futuro em que o primeiro-ministro não é David Cameron, quando este está praticamente empatado nas sondagens com o seu principal opositor, o líder dos trabalhistas, Ed Miliband.

O segundo problema é que se Cameron vencer o segundo mandato, este será de guerra aberta pela sua sucessão, e ele será sempre um primeiro-ministro enfraquecido. Os críticos de Cameron lembram que foi o que aconteceu ao trabalhista Tony Blair quando excluiu um quarto mandato e acabou por sair a meio do terceiro.

Defensores contrapõem que o primeiro-ministro queria evitar dar uma imagem semelhante à da conservadora Margaret Thatcher, que declarou querer continuar “on and on and on” – até ser afastada pelo seu próprio partido após 11 anos na chefia do Governo.

“Há muito talento no partido, e esse será o momento para uma nova liderança”, disse Cameron na entrevista, apontando como possíveis sucessores os seus ministros George Osborne (Finanças) e Theresa May (Interior), ou o presidente a câmara de Londres, Boris Johnson. “Há um momento em que um novo líder, com ideias frescas, é a melhor aposta.”

Dois dos nomeados apressaram-se a vir defender as declarações do líder.

Johnson desdramatizou as declarações, dizendo que não eram “nada de extraordinário”. “Ele está apenas a dizer o que acho que é óbvio e de bom senso – que não quer continuar tanto como  Thatcher, mas quer mais cinco anos para completar a recuperação económica britânica, que há muito a fazer, e ele quer assegurar-se de que será ele a fazê-lo”, disse.

Osborne comentou, pelo seu lado, que é “uma lufada de ar fresco ter um primeiro-ministro a responder directamente  a uma pergunta directa”.

No Guardian, Martin Kettle diz que o gesto inesperado pretende justamente aplacar os deputados conservadores caso o resultado do partido seja demasiado próximo do dos trabalhistas – estes poderiam aí segurar uma potencial revolta contra Cameron, tentando-o afastar a meio do mandato. Mas é um risco: “Terá muita sorte se conseguir que isto resulte.

O professor de ciência política e especialista conservador Tim Bale inclina-se mais para a hipótese de que se tenha tratado de um erro do primeiro-ministro, deixando a campanha centrada nesta questão e não na mensagem de campanha dos conservadores (querem mais cinco anos para não dar os ganhos conseguidos à custa dos sacrifícios dos britânicos aos gastadores trabalhistas, que o deitariam a perder). Conclusão do académico: “Teve um grande impacto, mas não é inteligente.”

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