Pela primeira vez, Belgrado queria que sérvios fossem votar no Kosovo, mas nada feito

Para iniciar negociações de adesão à UE é preciso integrar mais os sérvios kosovares, mas as eleições municipais mostram como isso é difícil

Foto
Um local de voto sem eleitores em Mitrovica ANDREJ ISAKOVIC/AFP

Pela primeira vez, a Sérvia quer mesmo que os eleitores dos enclaves sérvios no Kosovo votem nas eleições municipais da sua antiga província, que se declarou independente em 2008, após uma sangrenta guerra em 1998-1999. Mas sobretudo na cidade dividida de Mitrovica, onde na parte norte se concentra a população sérvia, o apelo ao voto caiu em orelhas moucas: a ida às urnas rondava este domingo os 7% a meio da tarde

Quem conseguia reunir vontade suficiente para chegar até aos locais de voto, arriscava-se a nem sequer entrar, relatava a Reuters. À porta podia encontrar gente disposta a intimidar os possíveis eleitores, por vezes vinda da Sérvia, com o objectivo de impedir os kosovares sérvios de exercerem o direito de voto.

“Estas eleições são um acto de alta traição e vão acabar por cortar o Kosovo da Sérvia e levar a um êxodo sérvio do Kosovo”, dizia o estudante de 22 anos Negovan Todorovic, um dos que se foram colocar à porta de um centro de voto no Norte de Mitrovica, a apupar os que foram exercer o seu direito de voto, gritando-lhes e filmando-os. “Belgrado está a trair o Kosovo em troca da perspectiva vaga dos supostos benefícios da integração europeia”, dizia Todorovic, fazendo-se porta-voz dos cépticos sérvios que continuam a recusar a via do diálogo com o Kosovo.

De facto, a mudança de posição de Belgrado relativamente à participação da minoria sérvia do Kosovo — cuja independência não reconheceu — nas eleições deve-se a um acordo alcançado com Pristina em Abril, para desimpedir a via às negociações para aceder à União Europeia, que devem começar em Janeiro de 2013. Nos termos desse acordo, a Sérvia tem de se esforçar mais para integrar os 40 mil a 50 mil sérvios que continuam a viver no Kosovo, mesmo após a separação do território e a sua declaração de independência, em 2008.

Por isso, vários membros do Governo de Belgrado fizeram campanha nos enclaves sérvios do Kosovo — foram mais vistos em Gracanica, a sul de Pristina, falando na necessidade de fazer uma espécie de associação dos municípios sérvios no Kosovo. Em Mitrovica, onde há mais radicais a oporem-se à participação nas eleições kosovares, os governantes mantiveram-se à parte.

Krstimir Pantic, um candidato apoiado por Belgrado para a câmara municipal de Mitrovica, chegou mesmo a ser atacado por dois encapuzados na sexta-feira à noite. Foi votar com pensos no queixo e cara, debaixo dos apupos e insultos de dezenas de sérvios com emblemas e autocolantes a dizer “Boicote 100%”. Quando entrou, descobriu que em vez dos quatro membros regulamentares da mesa de voto apenas lá estavam dois — os outros não apareceram.

Mas sempre havia alguns corajosos. “Vivo aqui há quase 90 anos e vim votar porque senão os sérvios vão desaparecer do Kosovo”, disse à agência Reuters o reformado Milorad Stijovic.

 

 

Sugerir correcção
Comentar