Aprendemos alguma coisa?

Face à tragédia quotidiana que se desenrola diante dos nossos olhos entre os dirigentes europeus uma única voz se ergueu com alguma consequência, a de Ângela Merkel, normalmente a má da fita.

É um belíssimo museu: pela arquitectura, pela museografia, mas sobretudo pela opção definida. Mais do que uma colecção de objectos, é uma história que nos é contada. Ou como afirma a curadora, Barbara Kirshenblatt-Gimblet, trata-se da “encenação de uma história”. Uma história fabulosa de mil anos de presença na Polónia – Polin em hebraico, frequentemente interpretado como Po-lin “Aqui repousarás” – daquela que era antes da IIª Guerra a maior comunidade judaica do mundo. Uma história atravessada por momentos dramáticos, muitas vezes conflituosa e dolorosa, mas também de convivência e cooperação frutuosa do ponto de vista da ciência, da cultura, da economia. Através do percurso museológico tomam vida grandes figuras de rabinos e comentadores do Talmude, de escritores, músicos e actores, revolucionários e humanistas como Ludwick Zamenhoff, criador do Esperanto, língua pensada para aproximar os seres humanos. É uma história de homens e mulheres, mas também de uma cultura, de uma língua e de uma vivência que desapareceu para sempre.

Ao terminar a visita fica-se com sentimentos contraditórios. O primeiro é de apreço: mais do que qualquer outro país da Europa de Leste que tenho visitado no âmbito dos “Seminários sobre Rodas” da Associação Memória e Ensino do Holocausto (Memoshoá) – a Polónia tem conseguido reequilibrar a sua memória, integrando a história dos judeus polacos na história nacional polaca. Pelo menos este é um objectivo do museu e consegue-o plenamente. Não estamos perante uma abordagem histórica obscurecida pelo trauma da ocupação soviética, como ainda se verifica por exemplo nos Países Bálticos que praticamente apagam o período nazi e a destruição das suas comunidades judaicas, mas sim perante uma memória mais serena e equilibrada. No entanto, esta constatação conjuga-se com alguma amargura porque o reconhecimento vem tarde, tarde demais: hoje a Polónia tem uma das mais pequenas comunidades do mundo e a memória que fica já não é alimentada pela vida. Apagá-la seria uma segunda morte, mas a verdade é que ela não brota da vida mas dos escombros e das cinzas.

Aprendemos alguma coisa? Será que o conhecimento do passado, impede mesmo a sua repetição, como tanto gostamos de dizer? Depois da vista ao museu, fomos a Treblinka, onde o silêncio que aí reina produz o mais infernal dos ruídos. Se Auschwitz é o campo que melhor espelha a política racial e a ideologia do Estado de Hitler e Himmler, Treblinka, é o símbolo maior da hedionda máquina de extermínio nazi com perto de um milhão de judeus assassinados em menos de um ano. Neste campo, pouco visitado, não há nada, apenas a presença silenciosa de milhares de pedras abruptas com os nomes das comunidades desaparecidas e a nossa imaginação à solta. E no alto de uma pequena colina rodeada pela exuberante floresta polaca, um memorial proclamando aos nossos surdos ouvidos “Nunca mais!”

Olhando para esta frase presente em todos os campos e memoriais, é inevitável pensar na actualidade. E em como a história se repete, enganando-nos com as suas diferenças, porque os contextos históricos esses sim são irrepetíveis. Ontem como hoje, a indiferença pavimenta o caminho para o desastre: ontem, em 1938, nenhum país “civilizado” se abriu para acolher os refugiados judeus alemães que ainda podiam sair da Alemanha; ontem, ninguém quis saber para onde e como desapareciam os vizinhos, nem ouvir os alertas que denunciavam a catástrofe. Hoje, graças ao “poder das imagens” que o Público refere ao publicar a imagem do menino morto trazido pelas ondas do mar, não há como negar o drama dos refugiados que investem a Europa quebrando o seu doce remanso. Mas esse poder é efémero, dificilmente vence a inércia, o egoísmo e a indiferença, esses sim muito mais perenes. Pessimismo? Talvez, mas face à tragédia quotidiana que se desenrola diante dos nossos olhos a verdade é que entre os dirigentes europeus uma única voz se ergueu com alguma consequência, a de Ângela Merkel, normalmente a má da fita: “Se a Europa fracassar na questão dos refugiados, se esta ligação próxima com os direitos civis universais se quebrar, então esta não será a Europa que desejámos". Ela sabe do que fala…

Especialista em assuntos judaicos

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