Alternativas para desafogar a justiça brasileira

O PÚBLICO pergunta a diversas personalidades brasileiras para onde vai o Brasil. Hoje, o tema é a justiça.

“Muitos processos, poucos juízes, os males do Judiciário são”. Parafraseando Mário de Andrade em Macunaíma[1], essa pode ser a conclusão a que se chega a partir das pesquisas sobre o funcionamento do Poder Judiciário no Brasil.

Os relatórios “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tentam dimensionar o problema. Atualmente, há mais de 92 milhões de processos em andamento no Brasil, o que representa algo como 1 processo para cada 2 habitantes, se considerarmos a população de 202,7 milhões de brasileiros. Na Austrália, há 1 processo para cada 6,4 mil cidadãos.

Tomando-se como base o ano de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, tem-se que nesses 25 anos o número de processos ajuizados multiplicou-se em mais de 80 vezes. Em 1988, foram movidas 350 mil novas ações; em 2001: 12 milhões; em 2009: 25,3 milhões; em 2011: 26,2 milhões; em 2012: 28,2 milhões.

Ainda que tenha quintuplicado o número de juízes − de 4.900 juízes em 1988, para 20.230 em 2012 – o Judiciário não tem como acompanhar esse ritmo. Em média, o Brasil possui a segunda maior carga de trabalho do mundo (4.616 processos juiz/ano), e tem a maior taxa de congestionamento (70%), o que implica que a cada 100 novos processos entrados, somente 30 terão solução em curto prazo, e 70 ficarão nas prateleiras, mesmo que o país se esforce para ser o terceiro em produtividade, segundo dados de 2008.  

O aumento da litigiosidade na sociedade brasileira parece estar relacionado à ampliação das lutas por direitos com o retorno à democracia. É também o resultado de um mimetismo com a sociedade norte-americana. Não por acaso, o Brasil perde em carga de processos por juiz somente para os Estados Unidos. O estilo “See you in Court” (nos vemos no tribunal) fez com que os brasileiros desaprendessem a resolver os seus conflitos de forma autônoma, como se todas as questões precisassem ser decididas por um juiz. Por sua vez, as muitas possibilidades de recurso no direito processual explicam a demora na conclusão dos casos.

Desde meados dos anos 90 os juizados de pequenas causas, depois transformados em juizados especiais, têm absorvido grande parte dos litígios de menor porte ou menor potencial ofensivo. Mesmo assim, o Judiciário continua abarrotado de processos. Diante da crise, os meios alternativos para solução de conflitos – conciliação, mediação e arbitragem, conhecidos pela sigla MASC – têm surgido como propostas concretas para desafogar o Judiciário e atender à crescente demanda por acesso à justiça.

Uma forma de distinguir esses distintos institutos é indagar sobre a natureza da relação entre as partes em conflito. Relações esporádicas podem se beneficiar de métodos de conciliação, em que um terceiro interessado na solução do conflito, o conciliador, contribui para o entendimento entre as partes. Relações duradouras, familiares, de vizinhança, traumáticas, e que por tais razões devem ser restauradas, estão melhor servidas pelos métodos de mediação de conflitos, em que as partes constroem o acordo, com a ajuda do mediador, um terceiro neutro.

A arbitragem é o meio alternativo de solução de conflitos mais parecido com o sistema judicial tradicional. Na arbitragem, as partes, através de um acordo livre de vontades, chamado de convenção de arbitragem, submetem a disputa à decisão dos árbitros por elas escolhidos. Instituto típico do direito internacional privado, a arbitragem é útil para dirimir controvérsias em contratos internacionais. Sua aplicação é fundamental para permitir o equilíbrio entre as partes e a busca por uma solução equânime em um contexto neutro e especializado.

O Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, especialmente para fomentar a aplicação da conciliação e da mediação na fase pré-processual e mesmo no curso dos processos judiciais.

No Congresso Nacional, estão em tramitação proposições que resultam do trabalho de Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça. A Comissão, criada no âmbito do Senado Federal em 2012, encerrou seus trabalhos em setembro de 2013, propondo o marco legal da mediação e a reforma da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996). Os projetos de mediação (PLS 517/11; PL 7169/14) e arbitragem (PLS 406/13; PL 7108/14) já foram aprovados no Senado e se encontram em fase de apreciação na Câmara dos Deputados.

Ambas as propostas tratam, entre outros temas, da composição de conflitos no âmbito da Administração Pública, o que deve ter um impacto importante no assoberbamento de processos no Judiciário. Isso porque as pesquisas sobre os “100 maiores litigantes no Judiciário brasileiro”, divulgadas em 2011 e 2012 pelo CNJ, constataram que o setor público, os bancos (entre os quais bancos públicos), e as empresas de telefonia respondem por 95% do total de processos, ficando o setor público com mais da metade desse número.

Com efeito, seria um contrassenso que a mobilização das instituições públicas para promover meios alternativos de solução de controvérsias, como conciliação, mediação e arbitragem, não viesse acompanhada da disposição do Estado litigante de se afastar do Judiciário.

Além de contribuir para desafogar o Judiciário, o recurso aos meios alternativos de solução de conflitos traz a promessa de outro efeito positivo e duradouro para o conjunto da sociedade: a pacificação das relações, ou a diminuição da litigiosidade. Voltando à inspiração de Macunaíma, talvez seja possível imaginar um segundo momento, mais adiante, em que se diga: “Muita conversa, pouco processo, as virtudes do Brasil são”.

[1] “Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são”. – Macunaíma

Advogada, Consultora Legislativa da Câmara dos Deputados

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