A política a ferver sobre uma mina de ferro

Parauapebas, nos confins da floresta tropical do Pará, nasceu de uma mina de ferro há menos de 50 anos e tornou-se a cidade que mais cresce e mais exporta do Brasil. Com o seu ar de cidade de corrida ao ouro, é um espelho do potencial e dos desafios do Brasil moderno. Hoje, é tão grande e tão rica que nenhuma campanha política a pode dispensar.

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Ferro Carajás, a maior mina de ferro em exploração no planeta Lunae Parracho/Reuters

Bairro do Sol Poente, Parauapebas, pouco depois das 19h00 da tarde abafada e húmida de sábado (23h00 em Portugal). Os militantes do candidato a deputado estadual Coutinho começam a juntar-se na frente do palco onde a coligação liderada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) vai fazer o seu comício. Pouco depois, vem a ala dos Democratas empunhando cartazes e bandeiras de Marcelo Catalão, um filho de fazendeiro rico com ar de estrela de novela. Pouco mais tarde, a militância do PT chega para fazer ouvir os nomes dos seus candidatos, Elienle e Milton Zimmer. As bandeiras do candidato evangélico Pastor Ramiro, do DEM (Democratas), num azul-turquesa-forte, já lá estão a aumentar o colorido. Quando a falange de Chico das Cortinas, candidato do Partido Humanista da Solidariedade, se faz ouvir, a rua comercial está já composta e o comício pode iniciar-se com a repetição vezes sem conta dos dois hinos de campanha do candidato a governador que se apresenta com o número 15, Hélder Barbalho.

Um comício com aquele aparato e dignidade, com a presença de candidatos a deputado federal, a senador e até com um nome forte da política do Pará que corre pelo governo do Estado seria improvável em Parauapebas há apenas 20 anos. Nessa época, a cidade tinha 53 mil habitantes, era apenas um projecto de futuro encaixado num recanto da floresta tropical que vem desde o Amazonas. Agora, de acordo com os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) conta com 183 mil, embora os cálculos da autarquia admitam que possa chegar aos 300 mil. O segredo desta explosão demográfica está no ferro. Mais precisamente em 105 milhões de toneladas de ferro por ano. Atraídos pela riqueza da maior mina deste minério em exploração no planeta, todos os dias chegam pessoas de todo o Brasil à procura de uma oportunidade.   

Parauapebas (Pebas, para os locais), a 700 quilómetros da capital do Pará, Belém, faz lembrar as cidades do ouro dos westerns americanos. Nasceu há menos de 40 anos, nas margens do rio que lhe dá o nome – na língua tupi-guarani significa “rio de águas rasas”. Fica nas faldas da serra dos Carajás, perto das zonas remotas onde nos anos 70 a Guerrilha do Araguaia tentava combater a ditadura militar. Nos limites do município encontram-se as terras indígenas dos kayapó xicrin, que por acreditarem no poder da audição e da palavra perfuram as orelhas e os lábios das suas crianças. Entre os seus habitantes, poucos são naturais. No edifício dos promotores de Justiça, o auxiliar Cléber Fernandes conta os trabalhadores um a um e constata que, das 17 pessoas que lá trabalham, todas são emigrantes. Parauapebas é a cidade acima dos 100 mil habitantes que mais cresce no Brasil.

É também a que mais exporta. O minério, que sai daqui numa viagem de comboio por uma linha de mais de 800 quilómetros construída especialmente pela Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, até ao terminal de Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão, rendeu no ano passado mais de sete mil milhões de euros em exportações. Um valor que supera o registado na capital da economia brasileira, São Paulo. E que é superior ao produto interno bruto de estados brasileiros como Acre, Roraima ou o vizinho Tocantins.

Quando chegou à cidade no autocarro que, pela madrugada, veio desde Marabá, a uns 200 km de distância, Marilda Sousa, de 70 anos, exclamou alto para que todos a ouvissem que ela era do tempo “em que tudo isso aí era mato”. Irineu Manuel, um taxista, chegou a Parauapebas há 19 anos e nessa altura a pequena cidade tinha três bairros. Hoje, diz, “tem aí uns 120”. Atraídos pela febre do ferro, “e por ouvirem dizer que era uma cidade próspera, com empregos e salários altos, vieram pessoas de todo o lado do país, especialmente do vizinho estado do Maranhão”, confirma Sara Dias, que trabalha na área da comunicação da prefeitura. Gerir uma cidade que cresce todos os dias tornou-se “um desafio muito grande”, diz Sara, ela própria uma migrante de Tocantins. Ainda que o seu núcleo central seja cuidado, ainda que a sua avenida principal tenha passeios conservados, recintos para crianças jogarem futebol e árvores numa álea central, os problemas do desordenamento notam-se logo que se entra nos bairros laterais.

O poder local na campanha
No Sol Poente, no comício de Hélder15 (nos cartazes não aparece o nome Barbalho, talvez para evitar qualquer associação com o pai, Jader Barbalho, senador e ex-governador do estado, suspeito de infindáveis casos de corrupção), o cheiro a esgoto confundia-se com o da carne assada. Só 13% da cidade tem saneamento básico. Não é esse o único ou sequer o maior problema da cidade. Os candidatos que se fizeram ouvir no comício desfiaram um extenso rosário de males, tanto para desgastar o prefeito, que é seu adversário político, como para os deixar inscritos na agenda de Hélder Barbalho, que está em segundo lugar nas sondagens para governador. 

No gigantesco estado do Pará (1,2 milhões de km2, quase o dobro da França), as eleições estaduais ou nacionais não dispensam o olhar para as debilidades locais. Se o Pastor Ramiro se preocupou em exigir a criação de uma “secretaria das Missões Religiosas” no governo estadual, porque “as igrejas não recebem nenhuma ajuda do Governo”, Marcelo Catalão apresentou-se como o “[deputado] Federal da Região”, Coutinho quer “tirar o velho de lá [o governador actual, Simão Jatene, do PSDB] e o velho de cá [o prefeito Valmir Queirós Mariano]”, Chico das Cortinas, que mandou na cidade há 20 anos quer hospitais, e a ex-vereadora do PT, Eliene, exige escolas decentes.

Nos discursos de todos os candidatos repetiram-se apelos à bênção de Deus e exigiu-se que o governo de Belém do Pará olhe para a cidade. Mais do que uma vez, lembraram a riqueza que as gigantescas minas da Vale proporcionam ao estado e ao país e o candidato Hélder Barbalho desfez-se em promessas. Se ganhar, garantiu, haverá mais centros de saúde, um campus da Universidade Federal em Parauapebas, serão criadas brigadas de segurança que envolvam igrejas, centros comunitários e a polícia. Curiosamente, ou talvez não, o discurso do candidato a governador empolgou menos a plateia do que a dos candidatos locais. Entre as poucas centenas de pessoas presentes, havia adeptos dos partidos e dos candidatos, pessoas do bairro em chinelas e senhoras de saltos altos, mas quem parecia dominar o conjunto eram as “formiguinhas” – pessoas contratadas para animar as campanhas –, que pouco ou nada tinham a ver com o programa de Hélder15.

Na oposição, Gerson, um dos braços direitos do prefeito, candidata-se a deputado estadual com o número 55.100 e com o slogan “Vencendo desafios”. O seu maior activo político foi o de ter levado água tratada a 80% dos habitantes. Outros vereadores que se candidatam ao mesmo cargo (além de Eliene do PT, também a Irmã Luzinete, do Partido Verde) não se cansam de mostrar, pelo contrário, o que não foi feito: no combate à violência, que coloca Parauapebas na lista das 100 cidades com a maior taxa de assassinatos do Brasil (60,5 homicídios por ano), por exemplo; na gestão do trânsito caótico da cidade – Cléber Fernandes lembra que os acidentes de viação “são a principal causa de morte na cidade” – e, acima de tudo, na habitação – cálculos da autarquia estimam que haverá 20 mil famílias sem tecto a viver nas periferias de Parauapebas.

Na manhã de quinta-feira da semana passada, cerca de 20 famílias nessa situação estavam acampadas à porta do município. Exigiam casas. Em cartazes, culpavam a Vale pela sua condição de sem-tecto, acusavam a prefeitura de não acudir aos seus problemas. Poucos dias antes, 400 famílias tinham sido expulsas do Bairro do Linhão, onde passam linhas de alta tensão que abastecem de energia as minas da Vale. A sua situação era precária e perigosa, como concluiu o juiz que ordenou a sua retirada. Era, no entanto, o recurso de que dispunham. Mulheres de crianças ao colo, homens magros com a fisionomia dura e nostálgica do Nordeste semiárido do Brasil acolhiam-se à sombra, sob a vigilância de polícias militares com coletes onde se expunham balas reais.

A chegada diária de migrantes é um quebra-cabeças para o município. Se muitos dos que chegam vêm ter com familiares ou amigos já instalados, outros “não têm cá nada e arriscam”, diz Sara Dias. Ouvem falar que Parauapebas é uma cidade próspera e partem, “mas muitas deparam-se depois com problemas difíceis e caem no alcoolismo e na marginalização”, acrescenta. A procura de lotes para construção ou de apartamentos tornou os preços de habitação altos para o poder de compra ou de aluguer dos migrantes, pelo que a invasão de terras e a construção clandestina tornou-se um recurso permanente. O morro do Chapéu foi um destes casos, em que as pessoas foram chegando até se tornar numa enorme favela “onde as pessoas viviam em situação caótica”, continua Sara Dias. Os seus moradores foram desinstalados, e terão direito a uma casa financiada pelo município e pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida.

À procura de uma solução que, ao menos, permita remendar as feridas abertas pela constante chegada de pessoas atraídas pela febre do ferro, Parauapebas sabe que o futuro da sua fonte de prosperidade não é eterno. Para a sua classe política, eleger deputados estaduais ou federais da terra é um activo que não podem desperdiçar, como o fizeram em 2010, quando o eleitorado da cidade dispersou votos por 104 candidatos de todo o estado. Um dia, as minas esgotar-se-ão, inexoravelmente. Até lá, a cidade procura alternativas, tenta ganhar uma identidade fundindo as culturas de todos os Brasis que lá chegam. Um slogan nasceu: Parauapebas quer ser “O Brasil num só lugar”. Terá tempo? 

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