A dificuldade de dizer sim

Ao contrário do que se possa pensar, é difícil dizer sim em política — significando aqui o “sim” optar pela mudança. Um exemplo que não é ciência exata: em muitos referendos, o “sim” é a posição mais difícil, aquela que perde ou, pelo menos, que perde à primeira tentativa. Em Portugal, no referendo à interrupção voluntária da gravidez, da primeira vez, ganhou o não. Referendo à regionalização, ganhou o não. Nos referendos ao Tratado Constitucional Europeu, logo entre os primeiros, ganhou o não francês e o não holandês.

Como digo, isto não é ciência exata. No plebiscito chileno a Pinochet, as posições invertiam-se: o “sim” significava manter Pinochet e o “não” é que era pela mudança. E, ao contrário do que seria de supor, foi muito difícil convencer o eleitorado de que era melhor desfazer-se de um ditador e mudar, votando “não”.

O sim é uma afirmação, mas traz consigo muitas perguntas. Por isso, quem quer responder sim tem de responder a tudo o resto. A propósito do recente referendo escocês: responder “sim” implicava responder que moeda iria a Escócia independente usar, com que dívidas ficaria, como iria ser a sua relação com a UE e a NATO, etc.

Nenhuma destas respostas é fácil de dar, e algumas delas levam a outras perguntas, também elas complicadas. Votar “não” traz consigo quase todas as respostas: no dia a seguir, as coisas continuarão a ser como eram. Mesmo que não gostemos muito, são previsíveis.

A campanha do “não” voltou a ganhar vantagem, no exemplo escocês, a partir do momento em que decidiu subir a parada pegando em algumas das exigências de auto-governo dos escoceses. As perguntas do “sim” (moeda, NATO, UE) continuavam a ser difíceis, e as respostas do “não” ficaram mais fáceis (vai continuar tudo na mesma, mas com mais poderes na Escócia).

Mesmo assim, quero aqui prestar tributo à campanha dos independentistas escoceses porque, nesta época deprimida e pessimista, conseguiram levar bem longe a mobilização em torno de ideias de autonomia, liberdade e futuro (ao mesmo tempo, evitaram as maiores armadilhas do nacionalismo: a campanha pela independência escocesa não foi anti-britânica nem anti-europeia).

E é isso que, hoje, é tão difícil e tão necessário. A política anda dividida em dois campos: os que dizem que “não há alternativa” e os que resistem aos primeiros. E perdeu-se a política enquanto arte de fazer as pessoas pensar no futuro, ansiar pelo futuro e construí-lo.

Por isso o populismo tem hoje tantas possibilidades de sucesso. Ele é, na verdade, uma anti-política: se a política está bloqueada entre os que acham que temos de ficar pior e os que acham que não conseguimos ficar melhor, o populismo dá vazão à frustração, à zanga e à raiva de todos os que se sentem entalados no meio.

A frustração, a zanga e a raiva são sentimentos poderosos e historicamente têm conseguido mover mundos. Conseguem levar-nos longe. O problema é que não nos levam a nenhum lugar que seja bom.

Para sair deste buraco, é preciso encontrar propósitos comuns e mobilizadores. Desse ponto de vista, a campanha do “sim” e, do outro lado, o discurso de Gordon Brown que galvanizou nos últimos dias a campanha do “não”, continuarão a ser um estudo de caso político para os próximos tempos. Para reencontrar a coragem de dizer sim.

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