Vila do Conde vai pedir à Comissão Europeia que autorize tribunal no Mosteiro

Com a instalação do tribunal no Mosteiro de Santa Clara, a câmara arrisca-se a ter de devolver os fundos comunitários que recebeu para fazer obras no exterior.

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Carla Carvalho Tomás

A presidente da Câmara de Vila do Conde diz-se disposta a rumar à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu para tentar convencer as instâncias comunitárias de que, finalmente, surgiu uma possibilidade de resolver o problema de degradação interior do Mosteiro de Santa Clara que, no seu entender, não pode ser desperdiçada pela aplicação cega de normas da União. “Mal possa, vou tentar apresentar os nossos argumentos de forma oficial e espero que o bom senso impere, sobretudo na Comissão Europeia”, afirmou.

Elisa Ferraz alega que há alguns meses recebeu a indicação o Ministério da Justiça (MJ) de que poderia instalar no Mosteiro, que é propriedade do Estado, a 2ª secção criminal do Tribunal Central (com um pequeno posto da PSP adstrito) criado na sequência da última reforma judicial, mas que, face a algumas falhas de segurança no Palácio da Justiça local, teve de ser transferido “de forma provisória” para Matosinhos. A portaria da ministra a concretizar a mudança “provisória”, vinca a autarca, foi publicada no Diário da República no dia 21 de Agosto do ano passado.

Todavia, quando as entidades preparavam o anúncio público do regresso da instância ao Mosteiro — uma revelação preparada para ser feita nas celebrações, em 26 de Março, do “Dia de Vila do Conde” — receberam um balde de água fria da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte que emitiu um parecer onde, segundo contou Elisa Ferraz ao PÚBLICO, chamou atenção que esse tipo de ocupação violaria os termos da candidatura que a autarquia fizera a fundos comunitários para a realização das obras de remodelação do exterior. Abrir a hipótese de ter de devolver verbas está posta de lado já que as contas da autarquia não estão propriamente com excedentes e o município quer ter uma boa imagem junto das instâncias comunitárias já que quer concorrer ao pacote de fundos Portugal 2020.

Quando soube da imposição de Bruxelas, o MJ decidiu suspender a instalação do tribunal no Mosteiro e não voltou a dar notícias à Câmara num mutismo que também desagrada à autarca já que nada pode ser feito sem o consentimento do Governo. O certo é que para haver obras, a Câmara teve de intervir e nunca mais avançou qualquer possibilidade de ocupação do espaço inclusive a prevista num protocolo assinado, no ano 2000, entre vários ministérios para a instalação da maior pousada da Enatur no norte do país.   

Os trabalhos no exterior, orçados em 488 mil euros, devem ficar concluídos no final do próximo mês — “a rondar as festas de S. João” — o que significa uma derrapagem de meio ano em relação aos seis meses previstos inicialmente. “É verdade que há um atraso, mas tal deveu-se ao tipo de intervenção. Por exemplo, encontrámos 30 janelas diferentes”. A empreitada contempla a recuperação do telhado, janelas, paredes e varandas e é considerada essencial para estancar a degradação do edifício que, durante sete anos, esteve ao abandono e foi alvo de furtos, vandalismo, incêndios e outros problemas provocados por ocupações abusivas. O Mosteiro esteve abandonado desde 2008 quando saiu de lá o tribunal local que ali ficou provisoriamente por 10 meses enquanto decorriam obras no edifício sede.

No interior do edifício, no entanto, nada será feito conforme a candidatura aprovada pela União Europeia. Mas se o Tribunal e a PSP fossem instalados, o MJ teria de, forçosamente, recuperar a parte de dentro do Mosteiro e a Câmara deixaria de ter de se substituir ao Estado na preservação do imóvel que suscita paixões na comunidade local. Sinal disso mesmo é que, na sequência do aparecimento nas redes sociais de um movimento intitulado “Unidos pelo Mosteiro”, parte da população e a autarquia chegaram, em Setembro do ano passado, a retirar 54 toneladas de lixo do enorme prédio à entrada da cidade (pelo lado sul) e que, pela sua imponência, faz parte da imagem turística de Vila do Conde.

Nessa altura, a pressão para a resolução do problema foi intensa e, depois de diversas actividades públicas, como uma manifestação chamada “Abraço pelo Mosteiro”, a Câmara encontrou no anterior pacote de fundos comunitários, verbas remanescentes num capítulo destinado à “Valorização e animação cultural” e candidatou-se, por essa via, ao financiamento de obras que podiam travar a degradação do edifício. E, consequentemente, assumiu a responsabilidade de, ao longo de cinco anos, dinamizar actividades culturais no Mosteiro e organizar visitas ao imóvel do século XIV.

O problema chegou mais tarde. A “animação cultural”, na opinião dos gestores de fundos da UE, não se adequa com a actividade de um tribunal.

Elisa Ferraz discorda da interpretação dos gestores de fundos da União Europeia de que um projecto de “animação cultural” não possa casar com a actividade de um tribunal. “Alega-se que, com o Tribunal, o edifício não estaria visitável e não poderia ter actividades culturais, mas o Mosteiro é tão grande que tudo isso podia ser compatível”, realça. “E muito pior — sublinha — será ter outra vez intromissões no edifício por falta de uma ocupação permanente”.

Enquanto não consegue convencer a União Europeia, a Câmara de Vila do Conde “já está a gizar um programa de animação”, adiantou Elisa Ferraz, embora a dimensão das iniciativas fique condicionada à partida ao mau estado do interior.

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